Comportamento

Câmeras nos uniformes da PM: por que o tema é tão polêmico?

Discussão sobre equipamentos corporais ganha fôlego na gestão Lula. Em São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas inflama debate ao afirmar que não ajuda a proteger o cidadão. Na contramão, o Rio de Janeiro e outros estados ampliam uso do dispositivo

Crédito:  Rubens Cavallar

Em São Paulo, eficácia do programa de imagens questionada: Secretaria de Segurança Pública tem mais de dez mil equipamentos portáteis (Crédito: Rubens Cavallar)

Por Elba kriss

Acoplada à farda, a câmera corporal é capaz de registrar em áudio e vídeo a rotina de agentes de segurança pública. As gravações são feitas sem pausa e sem a interferência do policial. Tudo é armazenado em nuvem. O debate atual é que seu uso é necessário sob o argumento de que visa diminuir eventuais abusos.

Nas últimas semanas, seguindo discurso bolsonarista, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, afirmou que a tecnologia não ajuda a proteger as pessoas. “Qual é a efetividade das câmeras corporais na segurança do cidadão? Nenhuma. Preciso investir pesado em monitoramento. Isso custa muito dinheiro. É a melhor aplicação do recurso que a gente está buscando para proteger o cidadão”, declarou, em entrevista à Globo. A fala causou estardalhaço na opinião pública.

Inúmeras pesquisas dão conta de que o recurso de filmagem é um caminho sem volta. Segundo o próprio Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), “as câmeras corporais contribuem para a melhoria das condições de trabalho e do clima organizacional nas instituições de segurança e reduzem a letalidade e a vitimização policial, além de outras formas de uso indevido da força”.

Para o advogado Fábio Chaim, especializado em Direito Criminal, a discussão a respeito do dispositivo é válida. “Não faltam exemplos de confissões informais, supostamente colhidas no momento da abordagem, sem a presença da autoridade, sem que o acusado esteja ciente dos seus direitos e com o próprio papel intimidador da presença ou pressão de um agente público armado”, exemplifica.

Ao contrário do que o governador de São Paulo afirma, há registro de que mortes de adolescentes por intervenção policial caíram 66,7% no estado após a implementação das câmeras operacionais portáteis.

O dado é do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “Falta, no entanto, uma maior regulamentação a respeito. Não são raras as denúncias de câmeras que são obstruídas ou mesmo desligadas durante a abordagem, bem como existe uma grande dificuldade por parte do Poder Judiciário de conseguir acesso a estas imagens a tempo. No contexto atual, servem mais a favor dos policiais do que contra”, considera Chaim.

Mais de 12 mil dispositivos implantados e número deve crescer para 13 mil: Batalhão de Operações Especiais com dispositivos nas ruas (Crédito:Divulgação)

A regularização e o entendimento no que se refere ao que é estruturar a segurança pública é o cerne do imbróglio. “Não podemos colocar uma câmera na indumentária como desculpa para diminuir a letalidade policial. Primeiro que esse termo não está correto.

Quando se diz isso, partimos do pressuposto de que oficiais vão às ruas para homicídios e execuções. Se um agente sai para matar, trata-se de um bandido que usa distintivo e deve ser extirpado da corporação.

De forma injusta, tende-se a generalizar toda uma instituição como arbitrária para se justificar a câmera”, defende Raquel Gallinati, delegada e diretora da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil.

“Temos déficit de contingente e péssimos salários. Não temos investimentos em tecnologia, maquinário, armamento e até estrutura predial, ou seja, o básico. Temos uma série de gargalos que faz com que exista uma deficiência latente na prestação da segurança pública com qualidade e excelência para a população.”

“Qual é a efetividade das câmeras corporais na segurança do cidadão? Nenhuma. Preciso investir pesado em monitoramento.”
Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo

Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo (Crédito:Eduardo Knapp)

Investimentos em curso

O certame dos últimos dias respingou no Ministério da Justiça e Segurança Pública, que acaba sendo cobrado por ações efetivas prometidas para 2023.

Na contramão das oposições, a pasta coleciona uma série de entregas concretas. Em nota, o MJSP informa que nos últimos meses, a Secretaria Nacional de Segurança Pública desenvolveu o Projeto Nacional de Câmeras Corporais, que resultou no que consideram marcos como o 1º Encontro Técnico Nacional sobre Câmeras Corporais e Segurança Pública no Brasil, a elaboração da Diretriz Nacional sobre Câmeras Corporais em Segurança Pública — contribuições em consulta pública serão recebidas até o dia 26 de janeiro — e inclusão da possibilidade de financiamento de soluções de câmeras corporais para os Estados e para o Distrito Federal por meio dos recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública.

Uma espécie de força-tarefa para o que consideram que “robustece a investigação e a persecução criminal, melhora a qualidade da interação entre os profissionais de segurança e a sociedade e aumenta a produtividade das ações policiais”. No calor do debate, uma observação do órgão: “O Ministério entende que a questão do uso de câmeras corporais por profissionais de segurança é um tema técnico, que não deve ser politizado”.

A depender do MJSP, a incorporação do item nos uniformes se expandirá para a Polícia Federal, e a Rodoviária Federal, Força Nacional e Polícia Penal.

Os esforços avançam também para articulações como a que foi feita com a Embaixada dos Estados Unidos e que resultou na doação de 400 câmeras corporais. Os acessórios foram encaminhados para a Polícia Militar da Bahia e Polícia Rodoviária Federal do Rio de Janeiro.

Este último estado, aliás, caminha para uma realidade ainda mais paramentada. Por lá, o Batalhão de Operações Especiais (Bope) e o Batalhão de Choque passaram a usar os dispositivos.

“A implementação das câmeras de uso individual nas unidades da corporação está muito avançada e seguiu o cronograma aprovado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Até o momento, já foram implantadas 12.619 e 290 estão em fase de implantação, num universo de 13 mil contratadas”, informa a Secretaria de Estado de Polícia Militar.

Em São Paulo, o governo – em meio às críticas pelas declarações de Freitas — afirma que o programa do acessório nas fardas “está mantido”.

Atualmente, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) possui 10.125 operacionais portáteis em atividade, que abrangem 52% das unidades policiais. “Desse total, 400 são usadas no 1º e 2º Batalhões de Trânsito da Capital. Os contratos de manutenção estão ativos e possuem orçamento previsto para este ano”, comunica, em nota.

No orçamento para 2024, a SSP investirá em tecnologias e ampliação de monitoramento para combater o crime organizado — um vislumbre do investimento pesado citado por Freitas. “Está em andamento a licitação para a compra de três mil dispositivos que serão acoplados nas viaturas, assim como o sistema que possibilita o funcionamento dos equipamentos. Esses poderão, por exemplo, identificar veículos roubados.”