‘Não Olhe para Cima’ e a alienação

Crédito: Divulgação

Laira Vieira: "As divisões ideológicas e a incapacidade de agir coletivamente diante da crise ressoam como um alerta visceral" (Crédito: Divulgação)

Por Laira Vieira

Em um mundo mergulhado em distrações superficiais, Não Olhe para Cima (2021) – disponível na Netflix, é o 2° filme mais assistido da história do streaming – transcende o mero entretenimento, tornando-se uma poderosa sátira da condição humana frente à adversidade, refletindo nossa indiferença, apatia e negacionismo que podem nos destruir.

Esta obra de Adam McKay (A Grande Aposta, O Menu) penetra nas entranhas de uma sociedade que opta por ignorar o iminente apocalipse, ao invés de confrontá-lo de frente. Não é apenas um filme – é um tapa na cara, um chamado urgente para a reflexão.

Na trama, somos levados a um mundo onde cientistas, interpretados por Leonardo DiCaprio e Jennifer Lawrence, tentam alertar sobre a colisão iminente de um meteoro, enquanto a humanidade – embriagada por suas próprias distrações e políticas mesquinhas – prefere virar as costas para a catástrofe. Enquanto isso, a presidente, interpretada por Meryl Streep, prefere distrair a população com fake news ­— a dualidade do filme não se limita ao impacto físico do meteoro, chega à corrosão moral da sociedade. Não é apenas uma narrativa sobre um evento catastrófico iminente, mas uma jornada pelo labirinto emocional da negação coletiva.

As temáticas são entrelaçadas com maestria, explorando a negação coletiva, a ganância corporativa, e a polarização política que eclipsa a razão. O papel da mídia no filme é uma dança sutil entre a responsabilidade jornalística e os interesses comerciais. A obra desafia a audiência a questionar a linha tênue entre informação e entretenimento, destacando como a sociedade, muitas vezes, escolhe a versão mais palatável da verdade — mesmo quando um destino fatal paira sobre nós.

As divisões ideológicas e a incapacidade de agir coletivamente diante da crise ressoam como um alerta visceral. O filme não apenas observa as cicatrizes sociais, mas esfrega sal nelas, desafiando-nos a reconhecer nossa própria complacência — e tendência em desviar o olhar dos problemas incômodos. O sucesso da película reside na coragem de cutucar e desnudar as feridas sociais.

Ao final do filme, somos deixados com uma questão incômoda: Será que – em meio ao caos – encontraremos a clareza necessária para mudar nosso curso, ou continuaremos a preferir não olhar para cima, afundando nas profundezas de nossa própria inércia? É um legado que transcende a tela, persistindo como um lembrete cáustico de que, por vezes, encarar a verdade é mais assustador do que o próprio apocalipse.

Esta não é apenas uma obra para ser assistida — é um convite para uma introspecção incômoda sobre nosso papel coletivo na dança trágica entre a ignorância e a redenção.