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Haddad assina MP que pode ser um tiro no pé do governo

Ao reonerar a folha de pagamentos por meio de MP no apagar das luzes de 2023, Haddad segue decidido em seu propósito de equilibrar as contas públicas, mas essa deverá ser a primeira grande derrota do ministro no Congresso e também dentro do próprio PT

Crédito: Fotoarena

Ao reonerar folha de pagamento, Haddad entra em choque com Congresso e também com o PT (Crédito: Fotoarena)

Por Regina Pitoscia

RESUMO

• Na tentativa de mostrar ao mercado que busca equilíbrio das contas, governo edita MP que eleva custos trabalhistas dos 17 setores que mais empregam, antes parcialmente desonerados
• Ato realizado no apagar das luzes de 2023 pode trazer instabilidade e insegurança à economia
• Analistas comentam falta de transparência e preveem que Congresso vá devolver ou derrubar a canetada
• Nesse caso, Lula pode ter sua primeira grande derrota no Congresso

A Medida Provisória que eleva os custos trabalhistas das empresas de 17 setores da economia que mais empregam no País está fadada a ter vida muito curta, pois poderá ser devolvida ao Executivo ou derrubada no Congresso. É uma medida impopular em um ano de eleições e, não bastasse isso, a questão da desoneração da folha de pagamento era assunto encerrado, página virada para os parlamentares, que por mais de uma vez imprimiram sua vontade de prorrogar o benefício, que terminaria em 2023 e que já havia sido estendido por mais quatro anos.

A edição da MP no último dia útil do ano pegou a todos de surpresa e passou por cima de decisões sacramentadas no Legislativo. A tendência, portanto, é a de que a medida seja rejeitada quantas vezes forem necessárias. Esta, no entanto, tem tudo para se transformar na primeira grande derrota do ano do governo Lula no Congresso.

Para Fernando Haddad, barrar a desoneração com a MP foi uma tentativa de evitar perder receitas da ordem de R$ 12 bilhões em 2024. Uma cifra nada desprezível diante da necessidade de recursos extras de R$ 168 bilhões para zerar o déficit, previsto no Orçamento deste ano, e alcançar o equilíbrio fiscal.

Para os parlamentares, a edição da MP foi, no mínimo, uma provocação e, sobretudo, um equívoco com potencial para inaugurar as crises entre Executivo e Legislativo.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, tem alçada e poderá devolver a Medida Provisória, com uma derrota humilhante para o governo logo no início do retorno do ano legislativo, em fevereiro.

O parlamentar já avisou Haddad que a MP sofre forte rejeição do Congresso e dos setores econômicos afetados, e que são responsáveis por mais de 9 milhões de empregos.

Pacheco afirma que vai decidir sobre o tema após 8 de janeiro. “Se eu estivesse no lugar de Pacheco, eu devolveria essa MP”, afirma Carlos Honorato, professor da FIA Business School. “Você tem um assunto que foi votado, aprovado e definido, e aí você volta tudo para o zero, como se o Congresso não valesse nada?” questiona.

A devolução seria um forte tranco ao governo, o ideal seria agora sentar, conversar e negociar com o Congresso, na opinião do cientista político Marco Teixeira, da FGV. “O governo esqueceu de fazer política e isso é um complicador em ano eleitoral, quando as coisas caminham mais devagar e qualquer medida impopular não passará”.

A MP tem prazo de 90 dias para ser apreciada pelo Congresso. Se isso não acontecer, perde a eficácia. Nesse período, as empresas estão obrigadas ao recolhimento de 20% sobre os salários, em vez de uma contribuição menor, de 1% a 4,5% sobre a receita bruta.

A nova legislação também invalida a dedução de impostos que era permitida sobre a folha de pagamento de prefeituras com até 142 mil habitantes, e cria um teto para uso de ressarcimento de impostos garantidos por decisões judiciais contra o governo em valor superior a R$ 10 milhões.

Para aumentar as receitas, o governo optou por recuperar os chamados gastos tributários, quer dizer, incentivos fiscais concedidos a empresas ao longo do tempo.

Pacheco já avisou Haddad que deve devolver a MP ao governo: briga à vista (Crédito:Pedro França)

Fogo amigo

Do ponto de vista estritamente econômico, as medidas trazem vantagens, porque visam o equilíbrio fiscal, segundo analistas. “A promulgação da MP no último minuto do ano tem o objetivo claro de mandar a mensagem ao mercado de que o governo está levando com seriedade a questão do ajuste das contas, via corte de subsídios fiscais. Usou o caminho mais fácil, mas não fez a lição que tem de fazer, que é de cortar gastos”, diz Honorato, da FIA.

Para as empresas e para os negócios, segundo ele, a decisão é prejudicial, cria instabilidade e mexe em um setor que gera custo de emprego porque traz insegurança e indefinições.

Juliana Inhasz, professora do Insper, reconhece que o fim da desoneração e do tratamento privilegiado a determinados setores poderá corrigir distorções na economia.

Segundo ela, a derrapada foi a falta de transparência do processo. “Para o Congresso, a pauta estava fechada, e a medida veio de um jeito muito estranho, muitos setores não esperavam por isso e a sensação foi de um governo desleal, que tentou pegar todo mundo meio de surpresa para que não houvesse muito tempo de reação, de choradeira” relata a professora. E isso terá um custo adicional para o governo alcançar o déficit zero e cumprir sua agenda de políticas. “Ele vai ter de articular muito mais, vai ter de garantir apoios, vai ser muito mais difícil a partir de agora” finaliza.

Teixeira, da FGV, destaca que toda essa movimentação faz parte do jogo político, onde o Congresso é uma casa de decisão final, em que cada um vai defender os seus interesses.

O que mais desperta a atenção, no entanto, são as críticas à condução de política econômica de Haddad pelo PT, em que a legenda defende que “o Brasil precisa se libertar do austericídio fiscal”.

A primeira semana do ano, inclusive, foi marcada por troca de farpas entre o ministro, a presidente do partido Gleisi Hoffmann, e o deputado Lindbergh Farias (PT- RJ), que chamou de “burrice política” a manutenção da meta de déficit zero na LDO, chancelada pelo presidente Lula.

Indigestão

Mas não é somente a reoneração da folha de pagamento o assunto indigesto para o governo Lula no Congresso na virada do ano. Na Lei de Diretires Orçamentárias (LDO) de 2024, o presidente Lula vetou aos parlamentares a criação de um calendário para a distribuição de recursos de suas emendas.

O breque na voracidade do Legislativo, pelo comando de verbas para preservar suas bases de apoio em ano eleitoral, será mais um ponto de tensão para fevereiro, quando termina o recesso político.

O cientista político da USP José Álvaro Moisés alerta que essas crises pontuais refletem uma crise maior, crônica e mais profunda do sistema político como um todo no Brasil, que vem se arrastando desde 2014, com o crescente empoderamento do Congresso e perdas de áreas de ação do Executivo.

“O governo Lula não teve essa percepção logo em seu início. Embora Haddad com uma série de contatos, articulações e negociações tenha conseguido aprovar o arcabouço fiscal, a reforma tributária, o que não é pouca coisa, há uma indicação de que o presidencialismo de coalizão está colapsando no Brasil”, analisa Moiséis.

Ele ressalta que apesar dos entendimentos entre os dois Poderes, é como se houvesse um mecanismo permanente de cobrança dos que apoiam o presidente, o que debilita e fragiliza muito a sua capacidade de ação. “Nós precisamos de uma nova reestruturação do sistema político com adoção de semipresidencialismo, em que se dividem as funcões de chefia de Estado e chefia de governo com descentralização do poder.”