Editorial

“Elementar, meu caro Watson”

Crédito: Thomas Faull/iStockphoto

Análise Global sobre Homicídios, boletim da ONU, dá conta de que nos países das Américas a exibirem os maiores índices de impunidade o percentual de homicídios elucidados é de 43%, isso diante de uma média mundial de 63% (Crédito: Thomas Faull/iStockphoto)

Por Antonio Carlos Prado, Diretor Editorial

Não é sem justificado motivo que, pesquisa atrás de pesquisa, a opinião pública do País corrobora que uma de suas principais preocupações e maiores fobias sociais dizem respeito à precariedade da segurança pública. O cidadão brasileiro receia perder para o crime a própria vida ou a vida de algum de seus familiares – e a expressão que mais se ouve em enquetes é “impunidade”. Levantamento detalhado do Instituto Sou da Paz contém informações estarrecedoras e demonstra o quanto o Brasil está longe da contemporaneidade do mundo em matéria de investigação criminal. Não basta falarmos que tal situação é vergonhosa porque autoridades diretamente ligadas ao tema pouco se importam com a conceituação. É preciso que a sociedade mostre concretamente o quanto esse mórbido parque de diversão da impunidade, que só faz crescer, é intolerável e inadmissível — e o momento certo para transformar esse estado de coisas são as eleições que democraticamente ocorrem com periodicidade no País, pelo voto secreto e sufrágio universal, conforme prevê a Constituição. Falou-se em pânico ligado à segurança pública, falou-se em impunidade. Pois bem, já creio estarmos bem preparados para irmos em frente. Então… Aos números, cidadãos! De cada trinta homicídios praticados no País, somente seis são solucionados. Na Alemanha e no Japão, por exemplo, noventa e oito crimes fatais contra a vida são esclarecidos a cada grupo de cem casos. Os dados constam do relatório do Instituto Sou da Paz intitulado Onde mora a impunidade – por que o Brasil precisa de um indicador Nacional de Esclarecimento de Homicídios. O que se vê, a cada publicação, é uma Nação degradada no setor de investigação, deixando-se claro que ela, a investigação, tem de ocorrer pelos ditames do Devido Processo Legal, jamais por métodos de exceção – cá em Pindorama, pancada e pau de arara para preto e pobre seguem corriqueiros. A Análise Global sobre Homicídios, boletim da Organização das Nações Unidas, dá conta de que nos países das Américas a exibirem os maiores índices de impunidade o percentual de homicídios elucidados é de 43%, isso diante de uma média mundial de 63%. Nos EUA, segundo a Murder Accountability Project, a solução de homicídios está na casa dos 54,2%. Fala-se, nesse texto, de crimes contra a vida consumados e cometidos dolosamente. Se tal absurda realidade deixa os cidadãos inseguros, ela traz ainda outra grave consequência: o incentivo ao crime. No Brasil, onde foi dilucidado apenas um terço dos quase trinta e um mil homicídios dolosos cometidos recentemente, sobrevivem encarcerados em condições atentatórias à dignidade humana cerca de oitocentos e cinquenta mil presos – estamos atrás apenas da China e dos EUA em quantidade de presidiários. A maioria é composta de homicidas? Não. A impunidade leva ao cometimento de outros delitos, como, por exemplo, o porte de drogas, mesmo que para consumo próprio. Só que, uma vez na prisão, esse prisioneiro, de nenhum poder ofensivo à sociedade, entra em contato, sem sequer ter recebido sentença condenatória transitada em julgado, com setenta facções do crime organizado que existem nas penitenciárias brasileiras. Como se vê, o não aclaramento de homicídios pode implicar a adesão de outras pessoas – geralmente em situação de vulnerabilidade social – a práticas transgressoras que, se mais leves no início, se tornarão, um dia, gravíssimas, tal qual é o homicídio doloso, em decorrência do convívio da pessoa com facções em cadeias, que operam como fábricas de doenças e óbitos. Estudo inédito do Ministério da Justiça demonstra que os desmembramentos das mais perigosas facções do País estão presentes nas instituições prisionais em vinte e quatro estados, mais o Distrito Federal. Por falta de recursos ou desídia, o fato é que homicídios dolosos são pouco investigados. Isso engendra mais transgressores e apavora a população. Lembrando do que escreveu em 1915 o britânico Pelham Wodehouse, em Psmith, Journalist: “Elementar, meu caro Watson”.