Cultura

Disney trava guerra silenciosa contra governantes em nova animação

Nada de princesas perfeitas ou mundo da fantasia: Wish, a nova animação da Disney, dispara contra os políticos autoritários ao retratar um rei que manipula o povo e controla os sonhos de seus súditos

Crédito: Divulgação

'Wish: O Poder dos Desejos': poderosos transformados em vilões (Crédito: Divulgação)

Por Felipe Machado

O título da nova animação da Disney, Wish: O Poder dos Desejos, é um bom resumo do espírito que inspira os personagens criados pelo estúdio ao longo de seus cem anos de existência. Do mestre Geppetto, que almeja transformar seu boneco Pinóquio em um garoto de verdade, à jovem Frozen, que luta para encontrar sua irmã Elsa e acabar com a maldição do inverno eterno, os protagonistas da Disney são sempre movidos por sonhos — não importa se são princesas, bichos falantes ou objetos humanizados.

Asha: jovem une a população da ilha de Rosas para destituir  ditatorial monarca Magnífico (Crédito:Divulgação)
Valentino, o bode: referências a antigos personagens (Crédito:Divulgação)

O filme leva esse conceito ao extremo: na ilha de Rosas, os moradores confiam que todos os seus desejos serão realizados pelo poderoso rei Magnífico. São pedidos bem específicos, como o do ancião que pretende fazer uma última festa em família ou o do jovem que quer se tornar um corajoso soldado.

Depois de enviarem as solicitações, no entanto, passam a aguardar passivamente a vontade do monarca. É quando a jovem Asha descobre que Magnífico usa esse conhecimento para manipular o povo e mantê-lo sob controle. Soa como uma crítica a líderes populistas e autoritários? Pode ter certeza de que é isso mesmo.

Não é a primeira vez que uma produção da Disney transforma os poderosos de plantão em vilões. Mas nunca houve uma crítica tão contundente a um governante opressor como no caso do rei Magnífico — um tipo que remete a nomes do partido republicano, entre eles o político Ron DeSantis.

É mais um capítulo na guerra que a empresa trava com o governador da Flórida, que tem mobilizado todo o poder do Estado para acabar com as isenções tributárias e fiscais que a gigante do entretenimento tem legalmente desde 1967 — a Disneyworld é a maior contratante da Flórida.

A briga começou quando DeSantis, de viés conservador, tentou aprovar uma lei que restringia questões de sexualidade e identidade de gênero nas escolas estaduais.

Sob pressão de seus funcionários — a Disney é conhecida pelo liberalismo nessa área —, o CEO Bob Chapek bateu de frente com o político. O executivo perdeu o emprego e a disputa foi parar nas altas instâncias dos tribunais norte-americanos.

Para os padrões Disney, Wish é uma animação subversiva que marca uma mudança no tipo de mensagem que a companhia quer projetar em plena comemoração de seus cem anos. Alguns elementos tradicionais permanecem intocáveis, da trilha sonora impecável ao traço lúdico das imagens.

Mas um enredo que prega a destituição do rei pelo povo traz a ideia subliminar de que um governante não tem o direito de controlar os desejos de seus súditos, por mais poderoso que pense ser.

O filme trata ainda da questão da diversidade. Ao situar a ilha de Rosas em “algum lugar entre o Norte da África e o sul da Europa”, como informa seu texto de apresentação, permite que os personagens tenham origens e raças bastante diversificadas.

Seria uma representação dos funcionários da Disneyworld, que vêm de todas as partes do planeta? Wish é a maior prova de que o império Disney não quer mais estar restrito à perfeição de princesas puras e príncipes encantados.

As coisas no universo da fantasia estão mudando — e o reino de Cinderela está cada vez mais parecido com o mundo real.

Um brasileiro em Hollywood
Renato dos Anjos, supervisor de animação
“É uma homenagem aos filmes do passado, mas dá um passo para o futuro”

Renato dos Anjos, supervisor de animação (Crédito:Divulgação)

Como chegou a um cargo tão cobiçado no mundo da animação?
Comecei como autodidata em filmes publicitários, mas queria fazer algo mais profundo e explorar melhor a personalidade dos personagens. Sempre gostei dessa parte mais pessoal, adoro prestar atenção em conversas e observar as reações humanas diante de determinadas situações.

Qual foi seu primeiro trabalho em um estúdio de Hollywood?
No longa Bolt: Supercão. Sempre fui fã do diretor Byron Howard, até hoje trabalho muito com ele. Daí engatei um projeto no outro, Frozen: Uma Aventura Congelante, Moana: Um Mar de Aventuras, Zootopia, Encanto.

Em Wish: O Poder do Desejo, uma garota convoca a população para depor o rei . Não é típico da Disney.
Isso não passa muito por mim, não me envolvo tanto com o enredo geral. Mas o personagem não é inspirado na vida real. Apesar de ter estudado os vilões clássicos, posso dizer que ele é único.

O que diria para um jovem animador brasileiro que sonha em trabalhar na Disney?
Temos artistas incríveis aqui. Ainda guardo a influência de nomes como Laerte, Glauco, Caruso, José Márcio Nicolosi. Quem vem do Brasil deve manter essa perspectiva diferente. Por isso a individualidade é uma característica tão essencial. A escola é importante, mas o ideal mesmo é encontrar a sua voz.