Perspectivas 2024

Segurança pública: quem vai resolver esse perrengue?

Após passar ano com explosões sequenciais de crises de violência pelo Brasil, governo aposta na integração de forças de segurança para responder ao temor crescente do cidadão; falta liderança e planejamento

Crédito: Mauro Pimentel

Militares patrulham a zona portuária central do Rio de Janeiro, em novembro, após decreto de GLO (Crédito: Mauro Pimentel)

Perspectivas 2024: Segurança

Por Luiz Cesar Pimentel

Brasil termina 2023 com o triste título de país que mais mata no mundo. Não à toa, o brasileiro carrega a preocupação de povo mais preocupado com a segurança do que a média:
• segundo Datafolha, 71% dos cidadãos sentem-se inseguros;
• pela World Affairs, 66%, contra padrão global de 63%.

Esse é o desafio de quem assumir a pasta ministerial da Justiça e Segurança Pública para 2024, que durante o primeiro ano do governo Lula coube ao mais novo ministro do Supremo Tribunal Federal, Flávio Dino.

Se a escolha for técnica, o número dois de Dino, o secretário Ricardo Cappelli, sentará à cadeira da Segurança, ainda mais se o posto for separado da Justiça.

Se a escolha for política, correm nas apostas a ministra do Orçamento, Simone Tebet, o Advogado-Geral da União, Jorge Messias, e o ex-STF Ricardo Lewandowski.

Desses, quem apresentou plano de combate à violência que deve reger o ano que começa foi Cappelli, baseado no Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), instituído em 2018 e até hoje sem implementação.

O objetivo básico é a integração da unidade federativa, estados e municípios por meio das instituições nacionais de Segurança Pública que os compõem — polícias Federal, Rodoviária Federal, Civil, Militar, Força Nacional de Segurança Pública e Bombeiros.

A política de atuação é a de compartilhamento de dados, operações e colaborações entre as estruturas que hoje são pulverizadas. 2024 também terá pelo menos até maio o uso de militares das Forças Armadas nos portos do Rio de Janeiro, Itaguaí e Santos e nos aeroportos de Guarulhos (SP) e Galeão (RJ) com o decreto da Garantia da Lei e da Ordem (GLO), após uma das ondas de violência por que passou a capital carioca.

Ricardo Cappelli, secretário de Dino na Justiça, pode assumir a pasta (Crédito:Gabriela Biló)

“Nós temos trabalhado para a consolidação do Sistema Único de Segurança Pública. Precisamos integrar as forças de Segurança, atuando com inteligência, baseados em dados e evidências. É a única saída para combatermos um crime cada vez mais organizado”, confirmou à Istoé Cappelli.

O gráfico irônico entre os que apontam o alto índice de violência brasileiro é o que mostra que os crimes apresentam queda recente, ficando no menor patamar desde que o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) iniciou registro, em 2011 – foram 47.398 mortes intencionais em 2022 sobre média histórica entre 50 e 60 mil.

A queda é insuficiente para conter a sensação de vulnerabilidade do cidadão. O temor em relação aos crimes saltou durante o ano de 6% para 17% sobre o que o governo deve priorizar.

“Há um ponto positivo que é o governo assumir a dimensão do problema, não esconder e falar abertamente, após 30 anos de omissão federal”, diz o pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência Bruno Paes Manso.

“A criminalidade assombra o cotidiano.Junto à violência, serão pautas predominantes em 2024, como em todo ano eleitoral, ainda mais com nossos estudos mostrando que candidatos percebidos como os mais preparados para enfrentar as principais preocupações da população apresentam quase o triplo de chances de serem eleitos”, diz Marcos Calliari, CEO da Ipsos.

O declínio no índice foi ineficaz para tirar do do Brasil a liderança em número de homicídios. O número de assassinatos no País equivale a 10,4% do total mundial (sendo que possui 2,7% da população global). São 22 mortes a cada 100 mil habitantes – quatro vezes mais do que a média, de acordo com dados do Estudo Global sobre Homicídios 2023, divulgado pela ONU.

Espetacularização

O ano foi marcado por ocorrências criminosas de alta repercussão, o que acarreta maior sensação de insegurança.

Começou em 8 de janeiro com o vandalismo em Brasília causado por manifestantes golpistas no Congresso, Planalto e STF.
Na sequência, veio a crise do Rio Grande do Norte com ações coordenadas por facção criminosa.
Em seguida, o País vivenciou drama humanitário dos indígenas ianomâmis, em Roraima.
A quarta crise foi motivada por criminosos na internet estimulando assassinatos em escolas.
O Rio de Janeiro foi palco de crime que chocou o País, quando médicos que estavam em congresso foram confundidos com rivais milicianos e executados em quiosque à beira-mar.
•  A cidade ainda foi paralisada quando milicianos revoltados com a morte de um líder, em enfrentamento policial, queimaram 35 ônibus e cortaram acesso à quase totalidade da zona oeste, onde vivem 2,7 milhões de cariocas. Foi o gatilho para instalação da GLO.

O decreto, por ter sido instalado de maneira emergencial, não levou em conta a mudança necessária do modo de operar da política de Segurança Pública, que é comumente tratada como um problema de lei e ordem, com protagonismo de juristas e policiais.

Ou seja, para ações urgentes cabe a repressão; mas o plano sempre deve ser voltado à:
proteção dos cidadãos,
• prevenção de delitos,
• e estabelecimento da ordem e tranquilidade na sociedade.

Armamentos apreendidos pelo Departamento de Polícia e Proteção à Cidadania, no Rio de Janeiro (Crédito:Rubens Cavallari)

Um passo nesse sentido foi dado durante a semana, com a implementação do sistema “Celular Seguro”. A razão é o crescimento constante no roubo de aparelhos celulares, que beirou o milhão de ocorrências no ano passado.

O crime cresceu porque cada vez mais o que era um telefone virou central de operações, principalmente financeiras com a criação do Pix, nas mãos e bolsos de todos.

A estratégia lançada contempla ação entre operadores, sistema bancário e empresas de big techs a agirem em conjunto para inutilizar o celular como porta de entrada tanto à privacidade quanto ao suporte financeiro do detentor com ação única. “Objetivo é que se possa com um clique bloquear completamente o aparelho. Assim, retiramos o atrativo das quadrilhas e transformamos o celular roubado em um pedaço de metal inútil”, diz Cappelli.

Rio-Bahia

Outra recorrência de décadas que deve ser efetivamente combatida são os polos que concentram maiores índices de criminalidade na federação. Desde que o monitoramento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) começou, em 2011, a Bahia foi líder em violência no País em 11 de 12 anos.

O estado é estratégico para o tráfico de drogas tanto como porta para o Nordeste quanto pelas fronteiras que faz com Sudeste e Centro-Oeste, e só perdeu o indesejado primeiro lugar em 2018, quando o Rio a superou em mortes violentas intencionais.

Por falar neste, chegamos à inacreditável condição carioca de possuir 72,9% da extensão territorial da capital sob domínio ou da milícia ou das três organizações criminosas dominantes:
• 57,5% em mãos de milicianos,

• e o restante dividido entre Comando Vermelho (11,4%), Terceiro Comando (3,7%) e Amigos dos Amigos (0,3%).

Em fatia populacional, um terço dos moradores da cidade (2,2 milhões) vivem em áreas milicianas e 18,2% (1,2 milhão) em espaços das facções.

Ações pontuais são imprescindíveis diante do quadro atual. Mas enquanto se apagam os focos de incêndio é preciso estabelecer um roteiro de planejamento preventivo, que o governo sequer anunciou.

Este começa por definição de metas claras e objetivos mensuráveis, tanto preditivos quanto para a repressão ao crime.

Inteligência e tecnologia programadas para apuração, análise de dados, alocação de recursos e mão-de-obra. E a unificação nacional do sistema será pouco eficaz se não forem contempladas causas paralelas do crime, como desigualdade, falta de acesso a serviços básicos, pobreza, desemprego e exclusão social.

Pelo lado da força de ação, há lacuna tanto no aprimoramento em contratação e treinamento de efetivo quanto na modernização dos sistemas de investigação, equipamentos de segurança, melhoria das condições das prisões e investimentos em programas de prevenção. “A preocupação é legítima. Estamos vindo de processo de desorganização econômica, social e política muito forte”, concorda Cappelli. “Não há bala de prata para a questão. Ninguém vai resolver sozinho.”