Bebidas: que tal um espumante de caju?
Espumantes ganham o País em versões além da uva. Frutos como caju, cambuci, jabuticaba e cacau dão novo sabor e significado à produção da bebida no Brasil, e inspiração vai de técnicas ancestrais indígenas a francesas
Por Ana Mosquera
“Espumante, champanhe…” cantou Tetê Espíndola na década de 1980 em trecho de parceria com Carlos Rennó. A música compara as quedas d’água da Chapada dos Guimarães, no Mato Grosso, às bolhas do vinho que ganhou o mundo em ocasiões especiais. Apesar da popularização do termo, é apenas a especialidade produzida em Champagne, no sul da França, que pode ser assim chamada.
Longe do país europeu, produtores avançam com variações sobre a bebida. Já são muitos os espumantes brasileiros e — ainda que o termo diga respeito ao derivado da uva — frutas diversas, inclusive nativas, estão entre as bases que agregam as características de cada território à bebida de borbulhas.
Elas, sim, são indispensáveis ao fermentado alcoólico: uma garrafa de 750ml aberta chega a ter 56 milhões delas, segundo Roberta Malta Saldanha, em Vinho Brasileiro, Muito Prazer.
Também nacionais são as variedades produzidas pela Companhia dos Fermentados, em São Paulo. Denominados borbulhantes, para superar o dilema da nomenclatura, são feitos com cacau, cambuci, jabuticaba, uvaia, mel de jataí e outros ingredientes tropicais.
“Falar que espumante é só de uva é fazer com que produtores comecem a desistir das frutas nativas em prol de uma que não é natural da região”, diz Leonardo Andrade. Ao lado de Fernando Goldenstein, ele luta por uma legislação federal que contemple o tipo de vinho elaborado com espécies nativas.
“A uva é perfeita, nós adoramos tomar vinho. Mas a jabuticaba também tem equilíbrio na questão de acidez, tanino, dulçor e aromas.”
Fernando Goldenstein
Brasil na garrafa
Falou caju, pensou Ceará. Ainda assim, é à castanha (verdadeiro fruto) que o estado deve a fama e hoje 90% do caju (o pseudofruto) é desperdiçado.
Produtores chegam a receber R$30 por 13 quilos da polpa comercializada. A fim de valorizar o alimento típico, a cajuína (espécie de suco), a agricultura familiar e a cultura cearense, Vicente Monteiro criou o espumante de caju, chamado Cauina.
Idealizador da startup Alquimista da Caatinga, ele vê na pequena produção o impulso para a mudança na economia local.
“Altera o simbólico, apesar de ainda ser uma representatividade baixa com relação à cajucultura, que é gigantesca e desenvolvida a partir da venda da castanha. Mas nossa mudança vem para isso, desenvolver a cadeia e a cultura, e mostrar que temos história.”
Atualmente, 70% das garrafas estão em São Paulo, em cartas de coquetéis ou servidas como espumante. “É para isso que foi criado”, lembra. No futuro, a ideia é ter outros subprodutos do caju, assim como desenvolver novas cadeias de frutas.
Novidades também são bem-vindas em fermentados alcoólicos mais tradicionais, como os pét-nats, espumantes produzidos por técnica anterior ao Champagne.
O resultado é um produto de bolhas mais finas, descomplicado e versátil. “Ele tem delicadeza e as borbulhas são mais integradas ao conjunto do vinho. O paladar fica mais completo, mas não empapuça”, diz Diego Cartier, sócio fundador e vinhateiro da Vinícola Vivente, no Rio Grande do Sul.
Ainda que de uva e de acordo com o método tradicional francês, há dois pét-nats, o Chardonnay e o Pinot Noir, que levam 40% de mel de cacau, líquido extraído da polpa do fruto tropical, na composição.
“São produtos bem gastronômicos e inusitados, porque a maioria das pessoas nunca provou mel de cacau. Ele tem acidez, notas frutadas e um leve dulçor. Foi um casamento que deu certo.” Merecem um brinde, as borbulhas brasileiras.