Perspectivas 2024

Crise climática não vai dar trégua neste novo ano; entenda os motivos

Ocorrências climáticas extremas tendem a se repetir em 2024; em meio ao desastre do aquecimento global, Brasil pode se beneficiar caso cuide do ecossistema

Crédito:  Lalo de Almeida

Canoas encalhadas no porto de Maues, no Amazonas. Rios da região atingiram menor nível na história (Crédito: Lalo de Almeida)

Perspectivas 2024: Meio ambiente

Por Luiz Cesar Pimentel

A previsão do tempo para o Brasil em 2024 não é boa. O País enfrentou estiagem inédita na Amazônia e Pantanal, enchentes no Sul, eventos climáticos extremos no Sudeste, revelou a primeira região desértica no Nordeste e passou por nove ondas de calor neste ano. A perspectiva é de que as ocorrências, principalmente as relacionadas às altas temperaturas, sigam em ritmo intenso até abril, por conta dos efeitos do El Niño, responsável pelo clima mais seco até o final do Verão.

Escaldado pela atmosfera recente castigante, o brasileiro não enxerga o futuro do meio ambiente com boa perspectiva. Razões não faltam. Pesquisa recente realizada pela Ipsos para a Conferência do Clima da ONU (COP28), Global Views On Climate Change, em 31 países aponta que 61% dos nossos conterrâneos acreditam que terão que deixar suas casas nos próximos anos por conta destas alterações no clima, o que coloca o Brasil em segundo lugar no ranking geral, atrás apenas da Turquia (68%) e à frente da Índia (57%).

A média global é de 38%. No País, 79% dos participantes afirmaram que as mudanças climáticas já têm um efeito severo nas regiões em que vivem, perdendo apenas para o México (81%).

O número piora em relação à visão sobre o futuro: 85% das pessoas entrevistadas por aqui acreditam que os impactos das variações do clima serão ainda piores nos próximos 10 anos ­— bem acima da média global que é de 71%.

“Infelizmente podemos esperar um 2024 tão ruim quanto 2023. Com o El Niño, o Verão costuma trazer problemas no hemisfério Sul e nevascas no Norte. O ano mais quente da história antes deste havia sido 2016, o segundo do fenômeno”, diz Cláudio Ângelo, coordenador de Política Internacional do Observatório do Clima.

Durante as ondas de calor, temperaturas ficaram até 10ºC acima da média em São Paulo (Crédito:Bruno Rocha)

É importante contextualizar que com dimensão territorial de 8.5 milhões de quilômetros quadrados, a quinta maior do mundo, apelidada “continental” com razão, já que é do tamanho da Oceania, e litoral de 7.367 km, o Brasil sofre mais severamente as consequências de descuido global, evidenciado na COP28.

O Datafolha fez pesquisa neste dezembro e constatou que 94% dos entrevistados haviam passado por situação extrema nas últimas semanas, sendo que 89% disseram que as cidades onde moram sofreram onda de calor atípica e 30%, seca — dois fenômenos que, segundo especialistas, marcarão certamente os primeiros meses do ano que começa com prognóstico de recorrência constante durante os próximos anos. A enquete abrangeu 135 municípios brasileiros.

O principal responsável pelo aquecimento global, que tornou 2023 o ano mais quente no planeta em 125 mil anos possíveis de registro, é a insistência na queima de combustíveis fósseis (como carvão e petróleo), produtores de gases que retêm o calor e afetam diretamente o equilíbrio natural do planeta.

O efeito estufa cria essas bolhas de ar quente nas ondas de temperatura superiores ao padrão, causa as tempestades responsáveis por enchentes e deslizamentos e é participante na seca no Amazonas, que levou rios aos níveis mais baixos da história. Também no Pantanal, piorando o estrago das queimadas, e no Rio Grande do Sul, que enfrentou vários ciclos de chuvas torrenciais, com enchentes em diferentes cidades.

61% dos brasileiros acreditam que mudarão de casa pelo clima extremo

Por outro lado, a dimensão brasileira e a relação de contribuição do País sobre o efeito estufa podem também ser revertidas em benefício próprio.

“Lembremos que mais de 70% dos gases poluentes no Brasil estão relacionados ao uso da terra, pela ilegalidade em desmatamentos não autorizados. Se corrigirmos isso, o País cria cenário positivo e candidata-se a receber mais recursos pelo trabalho feito”, diz o consultor em meio ambiente Luiz Villares.

Mesmo a política nacional pode ter impacto positivo sobre o tema no ano que chega. “Temos eleições municipais e diante do quadro preocupante de incômodo das pessoas com extremos climáticos, isso pode gerar estímulo para que o cidadão pressione no período eleitoral por mudanças na política do clima”, completa.

Cenário global

O estado de desequilíbrio e atenção a que chegamos era previsível há muitos anos. Tanto que, em 2015, o compromisso global no Acordo de Paris, aprovado por 175 países, era de que o aquecimento do planeta não ultrapassasse 1,5ºC sobre o nível pré-industrial.

Poucos anos se passaram e atingimos 1,32º C, e para que se ratifique o compromisso é preciso reduzir a emissão de gases pela metade até 2030 e em 99% até 2050, segundo cálculos da ONU. 2023 registrou o primeiro dia com temperatura média global 2ºC acima da era de referência.

Outro dado desanimador partiu do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), que realizou estudo sobre os 20 maiores países produtores de combustíveis fósseis e que respondem por 84% das emissões globais de poluentes.

Os governos dessas nações planejam produzir cerca de 110% mais em 2030 do que seria compatível com a limitação do aquecimento a 1,5°C e 69% mais do que seria compatível com 2°C.

Luiz Villares, consultor em meio ambiente (Crédito:Divulgação)

“Na Amazônia temos total condição de diminuir desmatamento e até começar replantio.”
Luiz Villares, consultor em meio ambiente

Para entender a dimensão do que significam essas variantes que soam baixas, com seus décimos de grau, em efeitos práticos globais, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas montou o Relatório Especial sobre Aquecimento Global de 1,5 grau Celsius. O estudo reuniu literatura científica sobre dois níveis de aquecimento — 1,5ºC em cenário desejável e 2ºC em pessimista.

Segundo este, a estimativa é que com meio grau a mais do que o desejável mais de 150 milhões de pessoas morreriam prematuramente por causa da poluição produzida pela queima de combustível fóssil responsável por esse nível de aquecimento.

Por todo o planeta, os eventos de inundações que costumavam ocorrer a cada 100 anos e que marcam gerações passariam a ser anuais.

A maioria dos estudiosos crê que se chegarmos a 2ºC será decretada a morte de todos os recifes de corais nos oceanos. Também a faixa levará o planeta à perda permanente de muitas de suas camadas de gelo, o que pode provocar elevação do nível das águas marítimas suficiente para redesenhar os litorais do mundo.

“Não há espaço para negacionismo. Futuras gerações merecem planeta melhor.”
Carlos Magno do Nascimento, do Climate Change Channel

Os temporais de começo de ano causaram enchentes no litoral de São Paulo e deixaram rastro de destruição, como em São Sebastião (Crédito:Bruno Santos)

No momento, o cenário é de acomodação e de planos de contenção de danos para os prováveis 2ºC próximos e possíveis 3ºC em futuro bem menos distante do que as previsões mais pessimistas ofereciam.

Durante a COP28, o empresário Bill Gates alardeou que qualquer coisa abaixo de 3ºC pode ser considerado um “resultado feliz”.

O ex-presidente dos EUA Barack Obama fez afirmação parecida durante entrevista: “Talvez não consigamos limitar o aumento da temperatura a dois graus centígrados, mas o fato é que, se trabalharmos com afinco, talvez consigamos limitar a dois graus e meio”.

A geopolítica não tem ajudado no foco mundial sobre o desequilíbrio da natureza. Guerra no Oriente Médio, na Ucrânia, tensão entre os dois maiores poluentes do mundo, EUA e China, desviam a atenção.

“O cenário internacional continua ofuscado. Com isso, cada país tende a priorizar a própria segurança energética e isso inclui todos os grandes produtores de petróleo aumentarem sua produção. Então 2024 deve ver um repeteco de 2023, com o agravante da eleição americana, que pode vir a ser uma catástrofe planetária caso o candidato de extremadireita (Donald Trump) não seja impedido de concorrer”, diz Ângelo. “O mundo não está em paz, e quando isso acontece é difícil discutir meio ambiente, já que deixa de ser prioridade”, completa Villares.

Progredirmos para cenário positivo é, no entanto, uma possibilidade. Houve consenso na COP28 de Dubai de que a implantação de energias renováveis deve triplicar até 2030.

Para atingirmos a meta de 1,5ºC é necessário eliminar totalmente as emissões de poluentes até 2040, segundo o Global Carbon Project, cujo “orçamento de carbono” para essa variante se esgotará em cerca de cinco anos com os níveis atuais de poluição atmosférica.

Para 1,7ºC será em 2050, e para 2ºC, em 2080. “Não há mais espaço para negacionismo. As futuras gerações merecem viver em um planeta melhor”, conclui Carlos Magno do Nascimento, meteorologista e sócio-fundador do Climate Change Channel.

Cláudio Ângelo, do Observatório do Clima (Crédito:Divulgação)

“O Brasil vem mostrando que o controle do desmatamento é possível num tempo muito curto. Dá para fazer muita coisa, desde que os governos queiram.”
Cláudio Ângelo, coordenador do Observatório do Clima