A Semana

Saiba como será a cara do STF com a entrada de Flávio Dino

Presença de Flávio Dino fortalece o judiciário na contenção do extremismo que avança no Congresso como ameaça à estabilidade democrática: “ministro comunista” trará uma nova visão sobre questões sociais na Corte, buscará a harmonia dos poderes, mas não abrirá mão de influir na política

Crédito:  Nelson Jr./SCO/STF

Cristiano Zanin, Flávio Dino, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes simbolizam novos tempos na atuação do STF contra o extremismo (Crédito: Nelson Jr./SCO/STF)

Por Vasconcelo Quadros

A troca da discreta Rosa Weber pelo político polivalente Flávio Dino muda mais que a simples composição do Supremo Tribunal Federal (STF), que voltará do recesso, no início do ano que vem, sob o bombardeio contínuo da nova direita.

Aos 55 anos, 34 dos quais dedicados à política, à magistratura, ao legislativo e ao executivo, Dino é um dos homens públicos mais capacitados da geração que está no topo do poder.

Preparado tanto para o embate quanto para o desempenho técnico do novo papel, é o homem certo no lugar certo: assume a cadeira num momento em que o STF precisa se fortalecer para estabilizar uma democracia que passou quatro anos do governo Bolsonaro sob ataque, cujo desfecho foi uma tentativa de golpe que só não vingou, no 8 de janeiro, graças à maturidade da República.

Um dos juristas que mais conhecem as entranhas do poder, em Brasília, o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, expoente do Grupo Prerrogativas, resumiu a nova fisionomia do STF para a ISTOÉ com uma definição refinada: “Flávio Dino tem um espaço fantástico de atuação porque é um homem que se encaixa nesse tempo”. Como fez nos conturbados meses em que comandou o Ministério da Justiça e Segurança Pública, caberá ao futuro ministro a linha de frente do combate ao extremismo que ganhou corpo no Congresso.

“Flávio Dino é um elo importante para manter a democracia.”
Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay, advogado

O futuro ministro não é homem de uma pauta só. Foi o próprio Dino quem, ao peregrinar pelo Senado em busca de votos antes de ser aprovado, deu os sinais do que norteará sua nova atuação no STF. “Deixo a política, mas não vou deixar de influir na política”, avisou.

Quem o conhece diz que não será só a política e a busca do equilíbrio entre os poderes que entrarão na Corte. Dino herdará um grande acervo de ações paralisadas no antigo gabinete da antecessora, mas agregará às decisões uma visão mais ampla sobre os problemas nacionais, como a reavaliação do papel do governo federal no sistema federativo e sua relação com a emergente questão da segurança pública diante da apatia institucional nos estados mais populosos do país.

Direitos humanos, problemas sociais, desigualdades regionais, economia, emprego e autonomia dos povos tradicionais são temas caros para o novo ministro, o único dos 11 integrantes do STF de origem autenticamente progressista, de perfil forjado no movimento estudantil, caminho que o levou à militância no PCdoB, o partido comunista mais odiado pelos militares e conservadores por ter organizado a Guerrilha do Araguaia.

Mas que ninguém espere dele uma decisão que mexa na interpretação da lei da anistia para punir crimes da ditadura. Dois militantes de direitos humanos, o jornalista e ex-preso político Ivan Seixas, e o advogado Jair Kirshke, do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, não acreditam que, mesmo provocado, Dino interceda por uma solução que obrigue as Forças Armadas a esclarecer os 434 casos de mortes e desaparecimentos forçados no período militar. “Só se mudar toda a composição do tribunal”.

Companheiro de Dino quando este ainda militava no PCdoB, o deputado Renildo Calheiros (PE) acha que o novo ministro leva para o STF a rara bagagem de quem transitou com desenvoltura pelos três entes da República e terá um papel comparável ao exercido pelo ex-ministro Nelson Jobim, que ficou famoso como “líder do governo FHC no Supremo”, mas foi, acima de tudo, um formulador e executor de tarefas que foram além do judiciário.

“Flávio Dino será um homem de soluções de Estado, como foi Jobim no caso dos precatórios, com a singularidade de conhecer bem os poderes. Políticos assim estão além da figura de ministro do STF. Constroem soluções”.

Renildo acha que o STF tem avançado sobre prerrogativas dos outros poderes, mas frisa que Dino saberá encaminhar esse debate para o momento em que os riscos à democracia estiverem afastados. “O momento é de fortalecer o STF”, diz o deputado.

Na quarta-feira, 20, na última reunião ministerial do ano, em tom de brincadeira, o presidente Lula chamou Dino de “ministro comunista”, mas falou sério quando pediu que no STF ele seja justo e não dê “entrevistas nem palpites sobre os votos em julgamentos”, algo que o novo ministro dificilmente faria por conhecer a liturgia do cargo.

Dino ficará no comando do Ministério da Justiça e Segurança Pública até o dia oito de janeiro, quando a tentativa de golpe completa um ano. Depois, assume sua cadeira de senador e, em 22 de fevereiro, tomará posse no STF. Quem aposta que Dino ficará no cargo até completar 75 anos pode perder.

No PCdoB e no PSB, atual partido do ministro, é consenso de que ele nunca deixará de ser um candidato à sucessão de Lula.

O STF pode também ser uma vitrine, como foi para o ex-presidente Epitácio Pessoa que, em 1919, depois de passar 12 anos na Corte disputou e ganhou a eleição contra Rui Barbosa sem tirar o pé da França, onde se encontrava em missão oficial designado pelo governo brasileiro.