Perspectivas 2024

Lula e a sombra de Bolsonaro: em 2024, a polarização vai continuar; entenda

Embalado por bons resultados econômicos, Lula transformará as eleições municipais em um plebiscito sobre o governo federal para reabilitar o PT, enquanto Jair Bolsonaro buscará garantir seu capital político. O petista e o ex-presidente podem manter o País refém da polarização

Crédito: Mateus Bonomi/Anadolu Agency via Getty Images

Lula mira o pleito municipal de outubro: realizações contra o desmonte bolsonarista (Crédito: Mateus Bonomi/Anadolu Agency via Getty Images)

Perspectivas 2024 Brasil

Por Marcos Strecker

Um ano depois da transição de governo mais tensa das últimas décadas, o País respira aliviado. A democracia se mostrou sólida diante das tentativas de golpe, que culminaram na destruição das sedes dos Três Poderes no 8 de janeiro. As instituições conseguiram conter os ataques do ex-presidente Jair Bolsonaro e seus seguidores. Após 12 meses de gestão, Luiz Inácio Lula da Silva comemora um resultado econômico positivo, com baixo desemprego (7,7%) e alta do PIB (quase 3%).

O presidente também conseguiu devolver a normalidade para a administração federal: os ministérios retomaram suas atribuições e as políticas públicas tornaram a ser valorizadas.

Na Saúde, o programa de vacinação reverteu sete anos de queda dos índices de imunização.

Se por um lado a normalidade institucional voltou, por outro as forças que racharam a sociedade persistem. A polarização continua presente, mesmo que os vândalos que depredaram Brasília tenham sido enquadrados – boa parte já foi até condenada, em processo atipicamente ágil.

O próprio ex-presidente foi declarado inelegível por oito anos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pelo abuso de poder político no pleito de 2022. Mas isso não eliminou seu capital político, a julgar pelas pesquisas de opinião.

Jair Bolsonaro mantém o apoio de 25% dos eleitores e quer se reabilitar elegendo aliados (Crédito:Andressa Anholete)

Levantamento Datafolha divulgado no dia 19 mostra que os brasileiros continuam divididos entre os dois grupos que polarizaram a última eleição presidencial.

O número dos que se declaram petistas (30%) é praticamente o mesmo de dezembro de 2022 (32%).
A proporção de bolsonaristas é exatamente a mesma (25%), um ano depois.
O número dos que se declaram neutros também permanece o mesmo (21%, ante 20% doze meses atrás).

A avaliação do governo Lula reflete um cenário favorável ao petista, mas não confortável. Segundo pesquisas Ipec e Datafolha divulgadas em dezembro:
• 38% acham a gestão ótima ou boa,
• 30% consideram regular,
• 30% a avaliam como ruim ou péssima.

É um quadro de quase estabilidade, ainda que, de acordo com o Ipec, entre setembro e dezembro tenha aumentado o número dos que consideram o governo ruim ou péssimo (subiu de 25% para 30%).

Promulgação da Reforma Tributária, na quarta (20): Lula capitalizou a mudança histórica, feita por um Congresso oposicionista (Crédito:Gabriela Biló)

Conciliação na tv

É diante desse cenário ainda polarizado que Lula tenta reagir. A publicidade oficial encomendada para o final de ano, aproveitando o espírito natalino, buscou reforçar a imagem de um governo de conciliação. Mas essa é a bandeira pública.

Para a militância e aliados, o jogo é outro. Dirigindo-se a eles, Lula defende a polarização. Em evento de seu partido no dia 8 de dezembro, disse que o pleito municipal será uma reedição do Lula x Bolsonaro de 2022.

Reconheceu que o PT ainda tem um longo caminho para tentar conquistar os setores que se mantêm fiéis ao bolsonarismo: os evangélicos e os produtores rurais.

 

“Estamos em uma sociedade que se polarizou muito, e isso veio para ficar.”
Claudio Couto, cientista político da FGV.

Para ele, as posições estão muito estabelecidas e é difícil que se transformem, mesmo com o governo apresentando bons resultados, o que não está garantido. “Eu diria que cerca de um terço do eleitorado, ou um quarto, vai ser crítico ao governo a despeito de qualquer coisa.”

O especialista lembra que o apoio a Bolsonaro independeu da gestão calamitosa da pandemia e de uma economia que rateava. “Ele conseguiu preservar cerca de um quarto a um terço do eleitorado.” É uma parcela que jamais vai apoiar Lula, o que resulta necessariamente num teto mais baixo de popularidade para o petista.

“Na última pesquisa do Ipec, Lula teve um desempenho um pouco pior do que no levantamento anterior. E ele não está tão acima do que eram os percentuais de aprovação do Bolsonaro no mesmo período. Também está muito longe do que foi registrado nos seus dois primeiros mandatos. Ou seja, é um governo que ainda está sendo vítima da polarização que existe na sociedade”, acrescenta o cientista político Eduardo Grin.

(Suamy Beydoun)
(Phillippe Watanabe)
(Suamy Beydoun)

O pleito na capital paulista vai ser determinante para o cenário político que antecipa as eleições de 2026: Guilherme Boulos (PSOL) tem o apoio de Lula, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) busca atrair o bolsonarismo (sem se comprometer) e Tabata Amaral (PSB) corre pelo centro

Essa divisão dará o tom das eleições municipais de outubro. Para Couto, elas antecipam a votação para o Congresso que ocorrerá dois anos depois, já que os políticos usam as pautas locais para se cacifarem ao Legislativo.

O PT buscará dar a volta por cima: em 2020, teve o pior desempenho municipal da história, não conseguindo conquistar nenhuma capital ou grande cidade. Agora, pretende lançar candidatos em 12 capitais.

Mas o fato de não ter força própria nas duas maiores cidades do País, São Paulo e Rio de Janeiro, é revelador. Lula já mergulhou na campanha para a capital paulista, onde o PT apoiará Guilherme Boulos, do PSOL. Ele aposta até na volta ao PT de Marta Suplicy, que migrou para o MDB e integra a base do prefeito Ricardo Nunes. Ela poderia ser a vice de Boulos, que lidera a corrida paulistana.

Um órfão da coalizão centrista com o PSDB paulista (era o vice do falecido prefeito Bruno Covas), o emedebista Nunes aparece em segundo lugar nas pesquisas e tenta a reeleição contando com o caixa bilionário da Prefeitura. Busca o apoio do bolsonarismo, mas sem se associar diretamente ao ex-presidente. É uma costura difícil.

Em terceiro lugar desponta a deputada Tabata Amaral (PSB), que conta com o apoio do vice-presidente, Geraldo Alckmin, e procura ocupar o espaço do centro.

Pesa contra ela a falta de capilaridade do seu partido e a temerária aposta na chapa com o apresentador José Luiz Datena, que acabou de se filiar ao PSB para concorrer na vice – sua quinta tentativa de entrar na política.

No Rio de Janeiro, o PT também não tem força própria para lançar um candidato. Lula apoia a reeleição de Eduardo Paes (PSD), que é um aliado de primeira hora e pode indicar para sua chapa um vice do PT.

Bolsonarismo no sudeste

Apesar de inelegível, Bolsonaro tem atuado ativamente nos bastidores. O pleito vai testar a ambição e a estratégia de Valdemar Costa Neto, que deseja fazer mil prefeitos com seu PL usando o ex-presidente como cabo eleitoral.

Bolsonaro vai testar seu poder de influência na sua maior aposta eleitoral: a candidatura de Alexandre Ramagem (PL), ex-chefe da Abin, no Rio. É uma das únicas chapas que ele conseguiu impor ao PL. Outra foi em João Pessoa (PB), onde Marcelo Queiroga, ex-ministro da Saúde, vai concorrer.

Já em Recife, o ex-ministro do Turismo Gilson Machado, também do círculo íntimo de Bolsonaro, não deve conseguir viabilizar sua candidatura. “Bolsonaro precisa de palanques robustos, porque isso significa recursos políticos. Se ele tiver a capital e o governo do estado economicamente mais importante da Federação, e ainda ganhar a Prefeitura do Rio, tendo o governador Cláudio Castro como um importante aliado, ele fecha o circuito eleitoral na região Sudeste, já que também tem um aliado em Minas Gerais, o governador Romeu Zema”, diz Eduardo Grin.

Já a estratégia petista, segundo o especialista, tem caminhos possíveis.
Um seria a tentativa de transformar as eleições municipais em um plebiscito em favor do governo – comparando os resultados positivos com o desmonte da gestão anterior.
O outro, menos provável, é “esquecer” o bolsonarismo e focar nos resultados do governo.

O presidente já indica que seguirá a primeira via: seguirá polarizando com o bolsonarismo.

O governo tem realizações mostrar, como a volta do Bolsa Família e o bem-sucedido programa Desenrola. A aprovação da Reforma Tributária, que contou com o apoio do ministro Fernando Haddad, foi histórica e já teve repercussões positivas: a agência de classificação de risco S&P elevou a nota da dívida do Brasil, que ficou a dois níveis do grau de investimento.

Mas a condução do Orçamento será crucial será crucial para sustentar o crescimento econômico e a aprovação do governo. Apesar de Lula ter endossado até aqui Haddad e sua política de responsabilidade fiscal, o presidente repetidamente indica que pende para o seu partido, que deseja a volta da gastança.

Há outras nuvens no horizonte. Lula conseguiu reintroduzir o País no cenário mundial, mas as pesquisas apontam que o grande número de viagens para o exterior pesou negativamente para sua imagem. Por isso, o governo já anunciou que 2024 será um ano voltado para as viagens internas.

(Buda Mendes)
(Pedro Ladeira)

A maior aposta de Jair Bolsonaro no pleito municipal é o Rio de Janeiro: o prefeito Eduardo Paes (PSD, no alto), aliado de Lula, lidera a corrida pela reeleição, mas Alexandre Ramagen (PL, acima), ex-chefe da Abin, é apoiado pela família do ex-presidente, que espera ganhar na base eleitoral do clã

Tensão no congresso

Outro problema é a sustentação no Congresso, que continua sendo o maior problema do governo. Para isso, já são intensas as negociações para uma nova reforma ministerial, que deve acontecer no início do ano. O objetivo é dar ainda mais espaço ao Centrão.

O relator do Orçamento de 2024 ampliou ainda mais as emendas parlamentares, para um montante de R$ 53 bilhões, mostrando que o Congresso está exercendo seus superpoderes. Isso evidencia os limites do governo.

Os parlamentares não dependem mais de verbas do Executivo, já que controlam boa parte do Orçamento. “O Congresso está muito mais empoderado e muito mais à direita. E com um Centrão que, além de cobrar muito mais caro, também tem um considerável núcleo ideológico”, diz Claudio Couto.

A própria sessão solene de promulgação da Reforma Tributária, ainda que tenha mostrado a possibilidade de avanços em tempos de polarização, foi reveladora da dinâmica que movimenta a política atual: partidários de Lula e Bolsonaro saíram aos tapas na sessão solene. “Em ano eleitoral, a tensão vai ser ainda maior”, prevê Eduardo Grin.

Em 2024, ocorrerão ainda as negociações para a sucessão nas presidências da Câmara e do Senado, testando o jogo de cintura do presidente.

O pleito municipal vai pavimentar o caminho para a sucessão de Lula em 2026, e a divisão, tudo indica, persistirá. “A polarização é um sinal dos tempos, e nada indica que a gente venha a ter a fabricação de uma outra candidatura que daqui a três anos possa se apresentar como ‘centro’, essa expressão meio genérica que no Brasil parece que é a solução para tudo”, pondera Grin.

Colaborou Gabriela Rölke