Comportamento

Por que o Brasil abandonou o ensino técnico? Entenda

Jovens que escolhem a educação profissional são mais valorizados no mercado de trabalho. O formato, porém, não tem sua grandeza reconhecida no País, que tem a pior taxa de matriculados: falta investimento e apoio do governo e da sociedade

Crédito: Renato Stockler

Ensino Técnico: empregabilidade e excelência negligenciadas (Crédito: Renato Stockler)

Por Elba Kriss

“Acabei decidindo pelo Técnico de Enfermagem após uma amiga me incentivar. Para ser sincera, nunca tive vontade de ingressar na área da saúde. Ela me cativou e hoje, além de ter certeza de que foi a escolha certa, planejo seguir nela”, diz Anna Igreja, de 17 anos. Tão nova, a adolescente ainda no Ensino Médio buscou certificação adicional na Rede Daltro Educacional, no Rio de Janeiro. Ela é o retrato real da pesquisa Impacto da Educação Técnica sobre a Empregabilidade e a Remuneração, realizada pelo Insper em parceria com o Itaú Educação e Trabalho e o Instituto Unibanco.

O levantamento comprova que os formados em ensino técnico são mais valorizados no mercado de trabalho do que os que se graduam no formato regular.

A Educação Profissional e Técnica Nível Médio (EPTNM) aumenta a probabilidade de ocupação em 7,6 pontos percentuais e a remuneração ao longo da vida em 32%. Os cálculos apontam que, para cada R$ 1 investido, o trabalhador com esse diploma tem retorno superior a R$ 3 no salário.

“Isso certamente coloca a educação técnica entre os investimentos públicos mais rentáveis no País”, consta no estudo.

O cenário seria incrível se não fossem outros dados que alertam sociedade e governo: o Brasil deixou de investir no sistema e, hoje, ocupa índice baixo de estudantes na modalidade.

Segundo o relatório Education at a Glance 2023, divulgado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o País tem apenas 11% dos alunos do Ensino Médio em programas profissionais, sendo que o abandono durante o curso é de 60%.

Em comparação com nações da OCDE, estamos abaixo da média de 44% e distante de quem lidera o ranking: Croácia e Eslovênia têm taxa de matriculados em 70%.

Mas por qual motivo o País apresenta índices tão baixos?

“Por muito tempo a Educação Profissional e Tecnológica (EPT) foi vista como de menor qualidade e valor, quando não é. Além disso, em determinado momento ela foi colocada como um caminho separado da universidade, sendo esta a melhor via de acesso ao trabalho digno”, analisa Ana Inoue, superintendente do Itaú Educação e Trabalho (IET).

“Outra pesquisa encomendada pelo IET revelou que, se fosse triplicada a oferta do técnico, o Produto Interno Bruto brasileiro poderia registrar aumento de até 2,32%. O poder público, o setor produtivo e a sociedade civil, precisam fortalecer políticas para expandir com qualidade as ofertas da EPT”, prossegue.

Todos ganham: é o que Teresa Daltro, CEO da Rede Daltro Educacional, observa em jovens como Anna. “É a chance que muitos têm de ter uma ocupação, já sendo inseridos no mercado de forma rápida e com o embasamento necessário. Sem contar que, com o dinheiro do salário, podem pagar uma universidade”, destaca.

Em São Paulo, esse é um cenário que Gilberto Garcia, gerente de Desenvolvimento do Senac, também testemunha após anos à frente dos cursos técnicos e do ensino médio técnico. “Falta divulgação das opções de educação técnica e temos a questão do ensino superior versus o técnico. Não deveria existir isso, pois são coisas que se complementam”, considera.

Pelos corredores do Senac Jabaquara, em São Paulo, alunos do Técnico em Administração atestam a pesquisa do Insper. “Ingressar no técnico me abriu portas. Consegui uma vaga de estágio e percebi que, com esse acesso ao mercado, já estava aprendendo diversas atividades nas aulas”, diz Ellen Regina da Conceição, de 22 anos.

“Meu objetivo era estudar para começar a trabalhar e já estou com emprego na área de finanças”, acrescenta Gabriel Oliveira, 21 anos. “O nosso índice de empregabilidade é de 70%”, afirma Garcia.

Anna Igreja, de 17 anos, técnica de enfermagem: “É a chance de muitos terem uma profissão”, diz Teresa Daltro, CEO da Rede Daltro Educacional (Crédito:Divulgação)

Daltro e Senac estão em expansão, com a receita de observar a demanda e avaliar os países referência, com 70%. Além de pesquisa, é preciso investimento: o Ministério da Educação (MEC) tem ações para apresentar um boletim sem “notas vermelhas” no futuro.

“Quando assumiu o terceiro mandato, o presidente Lula voltou a priorizar a educação profissional. Prova disso foi sua articulação na PEC da Transição, que injetou R$ 690 milhões extras nos Institutos Federais, valor cortado nos quatros anos do governo anterior”, informa o órgão, em nota. “O MEC trabalha com duas grandes ações em relação aos institutos federais, visando o aumento de matrículas: consolidação e expansão.”

“O poder público, o setor produtivo e a sociedade precisam fortalecer políticas
para expandir as ofertas da educação.”
Ana Inoue, superintendente do Itaú Educação e Trabalho

Ana Inoue, superintendente do Itaú Educação e Trabalho (Crédito:Divulgação)