Brasil

Lula e Bolsonaro se preparam para novo embate; entenda

Nem o atual presidente e nem seu antecessor serão candidatos nas eleições municipais do ano que vem, mas a disputa política será feroz entre eles: a polarização entre o lulismo e o bolsonarismo será implacável

Crédito: Sergio Moraes

Lulistas e bolsonaristas devem se enfrentar nas ruas e nas urnas no ano que vem: disputa pelas prefeituras antecede guerra por 2026 (Crédito: Sergio Moraes)

Por Vasconcelo Quadros

RESUMO

• Eleições municipais vão realimentar polarização entre Lula e Bolsonaro
• Próprio presidente já admitiu a disputa, convocando PT a conquistar voto dos evangélicos
• Líder do PL concorda que eleição de 2024 será um ensaio para a eleição de 2026
• projeção dos conservadores é de que, mesmo que seja preso por envolvimento na tentativa de golpe de 8 de janeiro, Bolsonaro vai exercer forte influência nas eleições municipais
• PT pode contar com a melhora da economia e quer mais gasto público para turbinar simpatia
Presidente do PT alertou: “Derrotamos Bolsonaro, não o bolsonarismo”.

 

Durante seis eleições presidenciais, entre 1994 e 2014, PT e PSDB polarizaram a disputa pelo poder central, numa longa trajetória em que a direita, ainda órfã da ditadura militar, foi coadjuvante tão envergonhada que viveu praticamente escondida, à sombra dos conservadores do Centrão. Os primeiros movimentos para as eleições municipais do ano que vem mostram que essas mesmas forças, depois da eleição do ex-presidente Jair Bolsonaro, em 2018, ganharam uma coloração ideológica definida, a nova direita bolsonarista que, mesmo com a derrota de 2022, estufa o peito e está chamando a esquerda para uma briga que, ao que tudo indica, criará um novo eixo de polarização envolvendo outras duas décadas de disputa pelo poder.

Na Conferência Eleitoral 2024 do PT, realizada em Brasília há 15 dias, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, interessadíssimo no adversário e nacionalizando uma disputa que historicamente era restrita ao municipalismo, deu com bastante clareza o tom do está em jogo: “Acho que na eleição do ano que vem vai acontecer um fenômeno. Vai ser outra vez Lula e Bolsonaro disputando as eleições municipais”.

Lula pediu que os petistas corram atrás dos votos evangélicos. Era tudo o que a direita também queria ouvir para incensar Bolsonaro que, derrotado pela ínfima margem de 2,1 milhões de votos, será o grande cabo eleitoral da direita que liderará as forças conservadoras majoritárias no Congresso Nacional.

Lula compareceu a congresso nacional do PT: deu início aos preparativos para o confronto com Bolsonaro que se repetirá em 2024 (Crédito: Fátima Meira)

O líder do PL no Senado, Rogério Marinho, viu na fala de Lula mais que o reconhecimento de que Bolsonaro, mesmo inelegível e enfrentando problemas com a justiça, será uma grande força eleitoral.

“Foi um ato falho ou sincericídio do Lula. Significa que o modelo do PT está ultrapassado e suas bases estão fragilizadas”.

Marinho acha que a eleição de 2024 será um ensaio para a eleição de 2026, se dará nas grandes cidades e nas capitais e avisa:
• o PL, ao contrário do PSDB, que perdeu quatro eleições para o PT depois dos dois mandatos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, saiu fortalecido em 2022,
• é um partido mais estruturado, com grandes bancadas no Congresso,
• e vai crescer no ano que vem puxado pelo carisma de Bolsonaro junto aos setores conservadores que formam a nova direita.

“Novas forças estão chegando ao partido atraídas por Bolsonaro, que está sendo galvanizado como cabo eleitoral em reconhecimento à sua identificação com a população”.

Marinho diz que há uma reação das ruas favorável ao ex-presidente. A direita está convencida de que qualquer que seja o cenário do ano que vem – mesmo que seja preso com a conclusão do inquérito sobre a tentativa de golpe de 8 de janeiro -, Bolsonaro vai exercer forte influência nas eleições municipais e tornará a direita uma alternativa consistente ao poder.

PT quer mais dinheiro

O PT tem a seu favor os prováveis reflexos dos acertos do governo nesse primeiro ano do terceiro mandato de Lula:
• a economia está melhorando,
• os investimentos externos estão chegando,
• o Brasil foi reinserido na política internacional,
• as questões climáticas, com a redução do desmatamento, estão sendo equacionadas.

Mas há pedras no caminho. Às turras com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o PT quer que o governo abra o cofre para enfrentar a força da direita no Congresso, pede menos aperto fiscal com o fim do chamado “austericídio”, e costura um amplo arco de alianças nos municípios sem discriminar nenhum partido, nem mesmo o PL de Bolsonaro.

O líder do partido na Câmara, deputado Zeca Dirceu (PR) diz que em seu estado há muitos prefeitos filiados ao PL, mas não têm simpatia nenhuma a Bolsonaro, “cortam voltas” para não se aproximar do ex-presidente, falam bem de Lula e ajudam a implementar as políticas do governo.

Com estes, segundo ele, é possível fazer alianças. “O que não pode é fazer concessão com quem é aliado ao modelo de atraso que o Bolsonaro representa. É tolerância zero com extremistas e bolsonaristas radicais”.

O PT, diz o líder, não aceitará que correligionários ou aliados subam em palanques do ex-presidente.

A reforma ministerial que governo fará em janeiro do ano que vem tem também a finalidade de fortalecer o PT e aliados para as eleições municipais, abrindo vagas e os cofres do governo a partidos do Centrão.

Um dos alvos da aliança é o presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab, secretário de Governo e Relações Institucionais do governo Tarcísio de Freitas, em São Paulo, um aliado de Bolsonaro, mas que não reza pela cartilha do bolsonarismo raiz.

Com 968 dos 5.565 prefeitos filiados, o PSD foi o partido que mais cresceu nos municípios entre 2020 e 2023, com 308 a mais. Em quinto lugar, o PL saltou de 348 para 371, um crescimento de 23, mas com 144 prefeitos a mais que o PT, que no país é apenas o 10º partido no controle dos municípios.

“Nós temos apenas quatro prefeitos em São Paulo, mas ganhamos a eleição para presidente”, dá de ombros o deputado Rui Falcão (PT-SP), que por longos anos foi presidente nacional do partido.

O governo e o PT vão buscar alianças com o MDB, que perdeu o lugar de maior partido municipalista para Kassab, mas controla 838 prefeituras; o PP, antigo partido de Bolsonaro, com 712 prefeituras; o Republicanos, que controla 257; e até o PSDB, o que mais perdeu prefeituras desde 2020, com um total de 186, mas que ainda pode encorpar uma aliança ampla pela influência do vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, o ex-tucano que mais derrotas impôs ao PT nas disputas pelo governo de São Paulo, tratado atualmente pelos petistas – inclusive na Conferência do PT, no sábado, 9, – como “companheiro”.

O prefeito de Araraquara, Edinho Silva (PT), diz que ampliar o leque de alianças é imprescindível para derrotar o bolsonarismo já no ano que vem. “2024 será uma balança importante para organizar a eleição de 2026”, disse ele.

O líder do governo na Câmara, José Guimarães (CE), diz que Lula deu o tom da polarização com Bolsonaro e que agora cabe ao partido se preparar. “Vamos fazer uma disputa programática e ideológica para enfrentar o bolsonarismo em todo o país”.

Bolsonaro reuniu sua turma na Argentina para a posse de Milei: reorganização de forças para as eleições do ano que vem (Crédito:Divulgação)

A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR) acha que a extrema direita que deu às caras na tentativa de golpe de 8 de janeiro está ativa. “Derrotamos Bolsonaro, não o bolsonarismo”.

Gleisi não tem dúvidas de que as eleições municipais do ano que vem serão um confronto inevitável contra a extrema-direita cujo resultado será a base para a disputa presidencial de 2026 e o projeto de poder que o PT pretende apresentar ao país para os próximos 20 anos.

Voto dos evangélicos

O maior embate entre Lula e Bolsonaro se dará na busca do eleitorado evangélico, que nas eleições do ano passado foram conquistados com larga vantagem pelo ex-presidente.

Bolsonaro escalou a mulher, Michelle, e a senadora Damares Alves (PL-DF), para reforçar as campanhas de candidatos de direita onde o PL disputará com candidaturas próprias.

O PT seguirá a orientação do presidente que, no encontro com cerca de 4 mil candidatos a prefeito e vereador, no sábado, pediu que o partido crie uma “nova narrativa” em busca do voto evangélico e de lideranças desse segmento.