Editorial

“Ai de ti, Copacabana”, “Ai de mim, Copacabana”

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Antonio Carlos Prado: "Diante da ineficácia preventiva e ineficiência repressiva da polícia do Rio de Janeiro, passaram a operar, ao arrepio da lei, esquadrões da morte e de justiceiros compostos por cidadãos que se agrupam nas redes sociais e no WhatsApp" (Crédito: Divulgação)

Por Antonio Carlos Prado

Um dos mais populares provérbios, tanto que ele existe em muitos idiomas, é de autoria desconhecida: “Nada está tão ruim que não possa piorar”. Há quem diga que foi criado pela fria e fina ironia inglesa. Pode ser. Mas, levando-se em conta as diversas e degradantes formas de violência que tomaram conta e seguem crescendo no nobre bairro de Copacabana, na zona sul do Rio de Janeiro, é bem provável que o tal adágio seja brasileiro mesmo. Apesar da excelente política de segurança pública que o ministro Flávio Dino está colocando em prática em todo o País, nem sempre com auxílio dos governadores, os transgressores elegeram Copacabana, cartão postal do Brasil em todo o mundo, para furtar ou roubar pequenos patrimônios nos últimos tempos — ressalte-se, é óbvio, que as dimensões do objeto tomado não tornam o crime menos grave. No bairro carioca que ainda preserva calçadas feitas com pedras importadas de Portugal, a situação já estava ruim. Lembremos, no entanto, que o ruim sempre pode piorar e que a responsabilidade de impedir que essa espécie de Lei de Murphy prospere é do governador: os furtos a transeuntes em Copacabana cresceram 56,3% entre janeiro e novembro desse ano na comparação com 2022. Os roubos (pressupõem mão armada) avançaram 16,6%, destacando-se nesse desfile de infrações a alta de 47% em relação a celulares. Ficou demonstrado que o ruim piorou, e vamos agora exibir outra piora. Diante da ineficácia preventiva e ineficiência repressiva da polícia do Rio de Janeiro, passaram a operar, ao arrepio da lei, esquadrões da morte e de justiceiros compostos por cidadãos que se agrupam nas redes sociais e no WhatsApp — são jovens, fortes e brancos, a maioria deles luta Jiu-Jitsu, defendem posições ideológicas de extrema-direita e o ato de fazer justiça com as próprias mãos por meio de linchamentos com o uso de soco-inglês, cassetete e taco de beisebol. É a barbárie. Justiceiros são igualmente criminosos, tanto quanto o ladrão de celular. A Copacabana que em tantas noites Dick Farney cantou como “princesinha do mar”, com voz aveludada de boates regadas a White Horse (o uísque dos anos 1940), tornou-se hoje um território fora do Estado Democrático de Direito — conjunto de regras que não dá guarida à operações de esquadrões ou justiceiros. A justiça particular é crime e quem a faz é criminoso, assim como é hipócrita quem atira a primeira pedra em julgamentos sumários e linchamentos. A desídia de autoridades do Rio de Janeiro não autoriza os cidadãos comuns a tomarem para si o poder de polícia e repressão. O monopólio da repressão e o uso da força, como muitíssimo bem definiu o fundador da sociologia, o alemão Max Weber, é do Estado e somente o Estado pode exercê-lo com legalidade e legitimidade. O sentido de monopólio da violência vem de Gewaltmonopol des Staates, um dos mais iluminados princípios da sociologia — construção exposta por Weber em Politik als Beruf . Ou seja: o Estado soberano moderno define a si pelo monopólio da força dotada de legitimidade. Nada é tão ruim que não possa ainda piorar, e Copacabana, que já possuía traficantes, ladrões e milicianos, agora possui um tipo abrasileirado de Ku Klux Klan. “Ai de ti, Copacabana”, podemos fazer coro com Rubem Braga, um dos maiores cronistas do Brasil. “Ai de mim, Copacabana”, podemos com profundo sentimento nos queixar juntamente com o grande poeta Torquato Neto em parceria com Caetano Veloso. São textos do passado, mas o passado tem de ser lembrado. Se a atuação dos ladrões não for contida de acordo com as regras do Estado de Direito, permitindo-se os linchamentos, está-se instaurando mais um Estado paralelo. Duas são as hipóteses históricas para a origem da justiça privada. A primeira: durante a Guerra de Independência dos EUA, o fazendeiro Charles Lynch punia, ele mesmo, de acordo com seu humor do dia, quem julgasse com fisionomia de ladrão. A segunda: também durante a guerra, em 1782, o capitão William Lynch formou um comitê particular da ordem. Pois bem, assim está Copacabana. No século 18.