Internacional

Itália se mobiliza contra o feminicídio galopante

Assassinato de uma jovem de 22 anos causa comoção nacional e leva a protestos pelo país. A morte provocou revolta que tomou ruas e redes sociais, obrigando governantes a tomar medidas para conter a explosão da violência contra mulheres

Crédito: Mauro Ujetto

Roma e outras cidades italianas receberam manifestantes exigindo medidas contra violência e assassinato de mulheres (Crédito: Mauro Ujetto )

Por Denise Mirás

Estudante de engenharia biomédica, Giulia Cecchettin foi morta a facadas — e foram ao menos 25 — por Filippo Turetta em 11 de novembro e teve seu corpo jogado em um penhasco do Lago di Bàrcis, região do Vêneto, ao norte da Itália. Tinha 22 anos. O ex-namorado assassino cruzou a fronteira para a Alemanha, ficou foragido por uma semana, mas foi detido por mandado europeu em Leipzig. Agora, está preso em Verona. Pode pegar prisão perpétua. Giulia foi a 107ª vítima de feminicídio em seu país neste ano. Mensagem postada por Elena Cecchettin, irmã da vítima, viralizou furiosamente nas redes sociais, com os últimos versos de um poema da arquiteta e ativista peruana Cristina Torres-Cáceres em formato de carta: “Se eu não voltar, mãe, arrebenta tudo. Se amanhã for a minha vez, que eu seja a última”.

Essas duas frases se tornaram símbolo da luta contra a violência do gênero desde o #NiUnaMenos, nascido na Argentina em 2015. Assim, duas semanas depois da morte de Giulia, o 25 de novembro — Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres — foi marcado pela manifestação organizada pela versão italiana do movimento, o #NonUnaDiMeno.

Cinquenta mil pessoas saíram às ruas, atravessando Roma do Circus Maximus à Basílica de San Giovanni com gritos e faixas: “Não é um caso isolado: chama-se patriarcado”, “Masculinidade tóxica”, “Tire as mãos das mulheres”. Protestos também tomaram ruas de Milão, Florença e Messina.

Elena foi dura e direta: “Pela minha irmã, não guarde um minuto de silêncio; pela Giulia, queime tudo. Turetta é frequentemente definido como monstro, mas ele não é um monstro. Um monstro é uma exceção, uma pessoa fora da sociedade, uma pessoa pela qual a sociedade não deve assumir responsabilidade. E ainda assim há responsabilidade. Os ‘monstros’ não são doentes; são filhos saudáveis do patriarcado, da cultura do estupro”. Ela ainda frisou: “Precisamos, todas, fazer barulho, para que não aconteça novamente”.

Em maio deste ano, a Itália foi um dos países que se abstiveram de ratificar a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica (conhecida como Convenção de Istambul).

De acordo com dados de seu Ministério do Interior, foram registrados 70 casos de feminicídio entre 2020 e 2021 (que foram os piores anos da pandemia, com lockdown) e 51 em 2022. Segundo o Istat (Instituto de Estatística italiano), pelo menos uma em cada três mulheres sofreu um episódio de violência na vida (31,5%), no contexto relacional: da parte de parceiros, ex-parceiros, familiares ou amigos.

Isso, mesmo com 3 mil ativistas da rede Dire, que explicam sinais que devem ser vistos como precursores de violência mais grave.

A primeira-ministra, Giorgia Meloni, declarou que o trabalho a ser feito envolve ações de repressão, mas também de prevenção (Crédito:Alastair Grant)

Mais de 100

O feminicídio só aumenta. Foi preciso que a Itália ultrapassasse os 100 casos em 2023, com o assassinato de uma mulher a cada três dias, para que o Parlamento aprovasse medidas contra a violência de gênero.

Em 22 de novembro, dez dias depois da morte de Giulia em Vigonovo, província de Veneza (ela foi atacada a 150 metros de casa), deputados e senadores, por unanimidade, decidiram reforçar meios de prevenir mortes, como:
uso de pulseira eletrônica para controle de distâncias mínimas obrigatórias da pessoa protegida,
aumento de verbas destinadas à segurança de vítimas em potencial,
e investimentos em campanhas de sensibilização — que, para Eugenia Roccella, ministra da Família, Natalidade e Igualdade de Oportunidades, “podem fazer a diferença entre a vida e a morte”.

No sábado gelado da manifestação em Roma, o prefeito Roberto Gualtieri apareceu para falar que “os números são terríveis: há uma emergência dramática” e anunciar a inauguração de uma casa em Grottaferrata — comuna da província de Roma —, que denominou Giulia Cecchettin.

“Precisamos trabalhar em todas as frentes. Não apenas na repressão, mas também na prevenção. Porque muitas vezes a liberdade das mulheres não é aceita.”

E finalmente, depois das ruas tomadas e da comoção nacional provocada pela indignação de Elena nas redes sociais, a primeira-ministra Giorgia Meloni proclamou: “Somos livres e ninguém pode tirar a nossa liberdade. Ninguém pode pensar que somos uma posse”.

Falou o óbvio, mas depois ao menos ponderou que “quando uma mulher morre assassinada a cada três dias, holofotes devem estar acesos — o que também não é suficiente. Há muito mais a fazer a nível cultural, incluindo campanhas nas escolas”.