Editorial

Água fria no acordo com os europeus

Crédito: Mustafa Yalcin/Anadolu Agency/Anadolu/AFP

Carlos José Marques: "Quase um ano de arrastadas conversas custou caro e não há como voltar atrás no tempo" (Crédito: Mustafa Yalcin/Anadolu Agency/Anadolu/AFP)

Por Carlos José Marques

Lula, o navegante brasileiro dos sete mares, estava algumas braçadas à frente de seus pares líderes globais, conquistando um protagonismo sem retoques na cena mundial, desde que assumiu a Presidência neste ano para um terceiro mandato. Era a estrela dos grandes salões, o interlocutor a ser procurado, o árbitro de delicados conflitos, como os que marcaram Rússia e Ucrânia e, mais recentemente, israelenses e palestinos. Onde Lula aparecia, sua voz e autoridade eram ouvidas.

Desta feita parece ter se dado diferente. Justamente durante a COP-28, a assembleia internacional que serve para discutir os problemas ambientais e as saídas sustentáveis, o clima literalmente azedou entre brasileiros e europeus, numa querela que pode pôr fim ao sonhado plano de um acordo bilateral entre os blocos comerciais do Mercosul e da União Europeia, orçado na casa dos bilhões de dólares em negócios aos países envolvidos. O que deu errado? Talvez, e provavelmente, as próprias veleidades do petista, que desejava abrir espaço no entendimento para garantir às empresas brasileiras a primazia das compras públicas, induzindo assim a uma política nacional de industrialização em setores estratégicos. As pressões nesse sentido contribuíram, decerto, para estragar as tratativas. O Palácio do Planalto diz o contrário: que a má vontade surgiu entre os franceses.

O presidente daquele país, Emmanuel Macron, de fato, declarou ser abertamente contra a parceria. Classificou de um mau remendo, com critérios antiquados, e apontou o dedo diretamente para o colega brasileiro, justificando diferenças insuperáveis. “Acho que é um acordo completamente contraditório com o que ele (Lula) está fazendo no Brasil e com o que nós estamos fazendo. Não leva em conta a biodiversidade e o clima dentro dele. É um acordo comercial antiquado que desmantela tarifas”, reclamou. Noves fora, nessa rinha de galo salta aos olhos o impulso protecionista que tanto a ala francesa quanto a brasileira parecem alimentar. Ninguém quer ceder espaço e cada um cobiça outro quinhão sobre o quintal vizinho. Não colaborou em nada para o surgimento do megabloco, idealizado há anos, a vitória de Javier Milei na Argentina — alguém visceralmente contra alianças do tipo. A percepção geral hoje compartilhada por analistas é a de que uma integração multicontinental nos termos pretendidos correu irremediavelmente para o brejo. Perdeu-se a janela de oportunidade.

Quase um ano de arrastadas conversas custou caro e não há como voltar atrás no tempo. Mesmo Lula, que se dizia entusiasta do contrato – capaz de catapultar consideravelmente a sua projeção internacional –, jogou a toalha. “Se não tiver acordo, paciência”, lamentou, naturalmente colocando a responsabilidade pelo fracasso nas costas do interlocutor Macron. “Vai ficar patenteado de quem é a culpa”. No jogo de narrativas, o que vale é encenar o papel do bom moço. “Não foi por falta de vontade. Não digam mais que é por conta do Brasil e da América do Sul. Assumam a responsabilidade de que os países ricos não querem fazer um acordo na perspectiva de dar concessões.

O objetivo é sempre ganhar mais”. Recado duro e direto. Típico. O demiurgo de Garanhuns sabe bem como jogar para a torcida e encenar a fábula dos colonizados oprimidos pelos colonizadores. Foi ainda nesse tom que Lula assumiu, formalmente, em nome do Brasil, a presidência operacional do G-20, e já aterrissou na cadeira cheio de planos, como o do convite a outros dez parceiros para que se juntassem ao clube. Lula corre atrás de holofotes. Tem o objetivo claro de deixar como legado à posteridade a marca de um estadista internacional e, assim mesmo, cultivando uma agenda mais personalista, assegurou dividendos louváveis para o Brasil. Há uma estimativa que corre no mercado, nada longe da realidade, de que, em pouco tempo, a balança comercial nacional possa vir a atingir a sonora cifra de US$ 1 trilhão. Também resultado dessa última road trip, a delegação do petista trouxe na bagagem alvissareiros recursos para a Amazônia e cartas de intenções dos demais participantes do UE, como a Alemanha, para uma transformação ecológica sustentável em solo verde-amarelo. No cômputo geral, o Brasil pode não estar garantindo o super pacote de negócios interblocos, porém encontrou uma saída inteligente para faturar mais trocados por vias, digamos, paralelas.

Sobre uma coisa não pairam dúvidas: seja na COP-28, na Cúpula do Mercosul (que acontece por aqui em janeiro próximo) ou nos demais fóruns além mar, o esforço de recuperação do prestígio do País surtiu e está surtindo efeito, após anos de desprezo que a Nação enfrentou como pária do mundo, nas mãos do antecessor de Lula.