A importância da gafe

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Mentor Neto: "Jamais foi vista uma abelha perguntando se a amiga gordinha está grávida, por exemplo." (Crédito: Divulgação)

Por Mentor Neto

O escritor Yuval Noha Harari, em seu livro Homo Sapiens, sugere que existe uma importante característica, comum apenas aos humanos: a fofoca.

Segundo ele, a fofoca teve papel importante na evolução para nos tornar uma das espécies dominantes do planeta, atrás apenas das abelhas, golfinhos e formigas.

Bichos que não fofocam.

Ou alguém já flagrou três golfinhas falando mal do golfinho da amiga?

Fofoca é importante para a evolução porque filtra indivíduos que o grupo considera incompatíveis.

Para esse mesmo fim, existem outros marcadores.

Mau hálito, por exemplo, afasta o grupo do indivíduo.

Incompetência, mau humor, desonestidade e por aí vai.

Tudo isso ajuda humanos a se tornarem mais coesos.

Entre esses traços, gostaria de tratar de um em especial.

A gafe.

A gafe cumpre perfeitamente os pré-requisitos acima.

E não existe fora dos humanos.

Jamais foi vista uma abelha perguntando se a amiga gordinha está grávida, por exemplo.

Claro que uma gafe esporádica não torna ninguém um pária da sociedade, mas algumas pessoas nascem com uma propensão especial para, quando menos se espera, falar com um manequim.

Esses, com o tempo, acabam por se afastar naturalmente dos amigos. Ou vice-versa, como veremos no caso da minha amiga Patricia.

Patricia tinha o dom da gafe.

Gafes tão frequentes que, numa piada interna, alguém cunhou o verbo Patriciar.

– Poxa… ontem eu dei uma Patriciada. – você poderia dizer.

Entre tantas, selecionei uma Patriciada que me parece especial.

Certa vez um casal amigo adotou uma criança.

Era de bom tom que Patricia fizesse uma visita e levasse uma lembrancinha.

Mas o marido conhecia bem a esposa que tinha, então julgou por bem reforçar:

— Amor, o menino têm 2 meses apenas. Então pensa bem no presente que você vai levar. Não me vai levar um Playstation, hein?

— Aí…você também me subestima, né Maurício? – quem dá gafes em série nunca admite essa fragilidade.

— E tem mais, Patricia. Lembra que o menino foi adotado. A-d-o-t-a-d-o, ok? Não vai dizer que ele, sei lá, parece com alguém. Só faz uma visita rápida, dá o presente e vai embora, certo? – Mauricio alertou, já com a sensação de que iria se arrepender.

E lá foi Patricia.

Comprou um macacãozinho, azul porque era menino.

Mandou um WhatsApp para a mãe perguntando se podia fazer uma visitinha.

Chegou na casa do bebê numa tarde de quarta-feira.

A mãe abriu a porta e deu dois beijinhos na amiga, feliz com a visita e a possibilidade de luzir o filho.

Patricia deu o presente embalado com um laço também azul.

A mãe adorou.

Justo o tipo de roupinha que ela achava fofa.

— Ele tá dormindo, mas vem ver!! Só não faz muito barulho.

Patricia estava tensa, com os alertas do marido se repetindo na cabeça.

Os traços que nos fazem uma espécie dominante

O quarto do bebê era decorado em tons leves, com o inconfundível cheirinho de criança.

Patricia se apoiou na borda do berço e, então, aconteceu.

Numa voz baixa e pausada, disse:

— Que gracinha, meu Deus! Foi normal? – voltando-se para a mãe.

Uma onda de calor percorreu o corpo de Patricia numa fração de segundos.

Viu em sua tela mental uma imagem gigante do marido soletrando “adotado”.

Num reflexo, achou que ainda poderia remediar a situação.

Erro fatal.

— Digo, foi normal a papelada? Saiu fácil? – com expressão de absoluta naturalidade.

O fato é que Mauricio nunca soube dessa Patriciada, mas notou que os amigos estavam mais distantes. O tempo passou
e os casais nunca mais se encontraram.

Mauricio achou que era por causa do bêbe, que sempre dá muito trabalho.

Mas o fato é que a gafe cumpriu, mais uma vez, seu papel na evolução.