Comportamento

Pesca descontrolada ameaça litoral brasileiro, diz relatório

Falta de fiscalização e informações colocam em risco os estoques de peixes no País e expõem as fragilidades do setor pesqueiro, que pode colapsar economicamente

Crédito: Greenpeace

Tirar o oceano da invisibilidade e colocá-lo no centro da agenda de desenvolvimento econômico, social e ambiental do país (Crédito: Greenpeace)

Por Alan Rodrigues

Famosa mundialmente pela beleza de suas praias, a costa brasileira abriga 279 municípios em 17 estados, o que representa superfície aproximada de 250 mil km (2,9% do território nacional). Com extensão litorânea superior a 10 mil km, é chamada de “Amazônia azul”. No entanto, dizem os cientistas, a faixa costeira e o mar nacional estão sendo fortemente impactados pela ação humana.

Essa é a conclusão do 1º Diagnóstico Brasileiro Marinho-Costeiro sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos. O relatório científico afirma que o descontrole da pesca é uma das principais ameaças à biodiversidade marinha.

O país tem 160 espécies da fauna em sua extensa massa de água salgada ameaçadas de extinção e 50% da produção totalmente explorada ou sobre-exploradas. A situação, que já é grave, tende a piorar nas próximas décadas, com o agravamento das mudanças climáticas. “Os cenários indicam intensificação dos vetores de mudança e consequente perda de diversidade e qualidade ambiental”, alertam os pesquisadores no diagnóstico.

A lagosta, a corvina e o pargo estão ameaçados de desaparecer dos mercados porque, nos últimos anos, a captura foi muito maior do que a sua capacidade de reprodução. Seus estoques são gravemente sobrepescados e não há iniciativas para conseguir o equilíbrio necessário para evitar um colapso econômico.

Avaliações do Instituto Oceana Brasil indicam que o estoque de lagostas caiu 83%. As exportações da espécie geram cerca de R$ 375 milhões de reais em divisas todos os anos — é o produto pesqueiro mais importante da balança comercial. O governo não estabelece cota para o crustáceo e as capturas oscilam entre 5 e 6 mil toneladas anuais. Mas os cientistas recomendam que deveriam ficar em 3.250 toneladas.

Outro peixe em situação de sobrepesca é a corvina que só tem 10% da biomassa original e a mortalidade por pesca está 50% acima do que deveria. “É uma questão de segurança alimentar: a corvina vai sumir da mesa das pessoas”, alerta o diretor científico do Oceana, o oceanógrafo Martin Dias. “A situação é muito crítica. A atual Lei da Pesca tem regras muito frouxas. É quase um livre acesso à captura: toma seu carimbo e vai matar peixe”, conclui.

Produzido pela Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES), o diagnóstico constitui o mais completo levantamento realizado sobre a biodiversidade marinha-costeira brasileira e os seus serviços ecossistêmicos.

A ideia é tirar o oceano da invisibilidade e colocá-lo no centro da agenda de desenvolvimento econômico, social e ambientalmente sustentável do País.

Com os olhos voltados para o mar, os estudiosos levantaram os problemas, os entraves e os gargalos dessa nação oceânica. Uma das principais lacunas apuradas é a falta de estatísticas de pesca.

“Há um apagão de dados e estamos pescando às escuras, sem saber o quanto se produz, de quais espécies, por quantos barcos, gerando qual receita.”
Martin Dias, diretor científico do Oceana Brasil.

Diz o relatório que desde 2008 não existe coleta de dados oficiais sobre atividades pesqueiras no país. “O que o Brasil relata sobre o setor é chute”, afirma o oceanógrafo.

Beatrice Padovani, professora da UFPE (Crédito:Divulgação)

“A economia do mar contribui para o bem-estar da nação brasileira.”
Beatrice Padovani, professora da UFPE

“Realmente, é uma crise total”, disse Beatrice Padovani, do Departamento de Oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Segundo ela, é “impensável” que um país com o tamanho e as características do Brasil não tenha informações sobre as atividades pesqueiras que são praticadas em seu território.

Com base nas poucas estatísticas disponíveis, estima-se que mais de 50% do pescado nacional é de origem artesanal, modalidade que emprega 25 vezes mais pescadores e gasta apenas 12,5% da quantidade de combustível utilizada pela versão industrial. O País tem cerca de 1 milhão de profissionais da pesca, e a média anual de captura marinha gira em torno de 500 mil toneladas.

A mais recente Auditoria de Pesca – 2023, do Instituto Oceana, revela uma situação alarmante sobre os estoques de peixes: 67% estão com volume abaixo dos níveis mínimos. “Três em cada quatro estão ameaçados, portanto, em zona de perigo biológico”, segundo a análise.

“O setor pesqueiro pode colapsar se o Brasil não fizer um monitoramento sério, uma gestão eficiente. O país desconhece a situação de 93% das espécies de peixes pescados”, conclui Dias.

A lagosta pode desaparecer dos mercados, já que a captura foi muito maior do que a sua capacidade de reprodução (Crédito:Divulgação)