Editorial

O Congresso pode, o Supremo não! O estranho caso de dois pesos, duas medidas

Crédito: Fátima Meira

Carlos José Marques: "Existe uma grande balela de promoção da pluralidade de análise por trás dessa queda-de-braço do Congresso com o STF. É preciso menos hipocrisia e cretinice" (Crédito: Fátima Meira)

Por Carlos José Marques

Em toda essa celeuma do garrote imposto às decisões monocráticas do Supremo Tribunal pelo Congresso Nacional, demonstrando clara interferência na forma de atuação de um desses Poderes, salta aos olhos, mesmo de leigos, não letrados na matéria jurídica, a seletividade com a qual alguns parlamentares elegem seus alvos, configurando o casuísmo dessas decisões. Senão vejamos: tirando de lado por um instante a questão legal, a interpretação digamos da Lei, o que está na Constituição, etc, (faça esse, chamemos assim, exercício retórico de abstrair a Lei), guiando-se apenas pelo senso comum na análise da tal PEC (que por si só, por ser uma proposta de emenda constitucional, como o próprio nome diz, já caracteriza uma tentativa de mudar a Constituição, com objetivos de interferência evidentes), a pergunta que fica para esse leigo ainda sem resposta é: se o Congresso tenta evitar o uso de decisões monocráticas pela Suprema Corte, metendo o bedelho em matéria regimental de outro poder, por que não faz o mesmo dentro da própria Casa? Sim, porque como todos nós sabemos, tanto o presidente do Senado como o da Câmara possuem discricionariedade sobre a forma de gerir as demandas internas. Tomam para si a decisão de pautar ou não o que bem entendem naquele Parlamento. Vale lembrar que bem recentemente, para ilustrar a questão, ficando restrito a esse exemplo na Câmara, mais de 200 pedidos de impeachment do então presidente Bolsonaro foram protocolados e levados ali para análise e votação – muitos deles de instituições respeitáveis, repletos de provas documentais, evidências, flagrantes de ilícito e de crimes de responsabilidade previstos na Constituição, o escambau – e não entraram em votação, em discussão ou sequer análise por determinação, impedimento e escolha de uma única figura: o presidente da Câmara, Arthur Lira, que barrou sozinho todas as tentativas nesse sentido, todos os pedidos. Por opção única e monocrática dele. Lira sequer dividiu, como deveria ser o correto, a análise das pautas com os seus pares. Não levou adiante, nem distribuiu ou ouviu o elenco de deputados sobre os pedidos em questão. Apenas ele, na solidão solene e magnânima de seu cargo, com um poder de decisão que parece estar acima do bem e do mal, resolveu que não! Deu a sentença soberana: Não seriam sequer colocados em julgamento coletivo tais pedidos de impeachment ao dileto aliado que ali atrás ocupava a cadeira de comando no Palácio do Planalto. Deu assim, por vontade e escolha pessoal, seu veredicto monocrático para a matéria. E como nesse caso, milhares de outras pautas, projetos, etc seguem o mesmo trâmite naquela Casa (ou não seguem, para ser mais exato, por decisão do poderoso titular/presidente congressual). Então são dois pesos e duas medidas? É justo que um magistrado do Supremo não tome decisões monocráticas, mas o presidente do Senado ou da Câmara sim? Que Justiça e isonomia são essas? Novamente, temos de entrar na praia de ser uma questão regimental, não de cunho constitucional, a moldar as regras e procedimentos de cada Poder. Efetivamente, em situações assim, é natural dar o direito a cada um dos três Poderes de escolher o modus operandi de seu funcionamento. Faz parte do jogo democrático e dos princípios republicanos. A questão aqui fundamental quanto ao desejo do Legislativo de interferir no regramento do Judiciário é saber o porquê de um juiz não poder tomar decisões monocráticas enquanto aos congressistas, por sua vez, é reservado tal direito. Essa, digamos, distinção para arbitrar na figura de um único representante assuntos tão complexos como o de um impeachment? Elementar, e serve ao juízo de todos nós, mesmo de não especialistas na matéria, identificar na aprovação da PEC de dias atrás o preconceito, ou patrulhamento ideológico, implícito na artimanha de retaliação liderada pelo senador Rodrigo Pacheco. Não pairam dúvidas a respeito: Pacheco jogou para a torcida. Tinha motivações para agradar a uma ala de aliados bolsonaristas que carregam um poço de mágoas contra o STF. O senador precisa deles para imperar e fazer o seu sucessor. Pratica dessa forma, implacavelmente, a limitação seletiva de poderes. Instrutivo observar como estamos nesse sarau de interesses. Existe uma grande balela de promoção da pluralidade de análise por trás dessa queda-de-braço do Congresso com o STF. É preciso menos hipocrisia e cretinice. Que sejam retiradas as máscaras dos vingadores.