Cultura

Mario Prata conta seus casos de ouro

Em seu livro de memórias, o cronista Mario Prata lembra a infância no interior paulista e abusa do bom humor ao narrar episódios que viveu como jornalista, autor de novelas e dramaturgo

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Mario Prata: aos 77 anos, trocou Florianópolis por São Paulo para ficar mais perto dos filhos e dos seis netos (Crédito: Divulgação)

Por Felipe Machado

Quem lê o novo livro de Mario Prata tem a impressão de que o autor está do outro lado de uma mesa de bar, contando seus bem-humorados casos em meio à cerveja e boas risadas. Prata escreve como fala — ou fala como escreve. Pelo Buraco da Fechadura Eu Vi um Baile de Debutantes – Quase Uma Autobiografia, coleção de crônicas curtas e leves, começa com sua infância na cidade de Lins, interior paulista, e termina com uma mensagem malcriada dirigida ao criador do Facebook, Mark Zuckerberg. As memórias passeiam por toda a sua carreira, da época em que era jornalista do Pasquim e de ISTOÉ ao período como autor de novelas na TV Globo. É, antes de tudo, uma ode à crônica, estilo que Prata domina como poucos e que, até hoje, ajuda a popularizar no País.

A obra tem histórias de sua infância e casos que poderiam ter acontecido com quase qualquer um. A vida de todo mundo daria um bom livro?
Claro que sim. Tolstói disse “pinte sua aldeia e serás universal”. Pois é: em 1976, quando escrevi a novela Estúpido Cupido, abusei das referências à minha infância em Lins. Pois choviam cartas na Globo garantindo que o enredo era sobre Piratininga ou Barretos. Eram realidades muito parecidas.

Por que escrever uma autobiografia?
Nunca tinha pensado nisso. Quem merece esse tipo de coisa é o papa, o Pelé, o Obama. No meu caso, a culpa foi da pandemia. Comecei a gravar casos a pedido da pesquisadora Caroline Soares Almeida e, como não tinha o que fazer, fui aos poucos passando tudo para o papel. Agradeço a ela. Hoje é difícil encontrar bons ouvintes, as pessoas não prestam mais atenção aos outros.

Após tantos livros, filmes e novelas, o jeito de contar histórias mudou?
Não, mudaram as pessoas que ouvem essas histórias. Comecei a escrever para o teatro, nos anos 1960. O público era universitário, era possível experimentar. Depois fui para a TV, porque o Boni teve a ideia de convidar dramaturgos para criar folhetins. Dias Gomes, Lauro César Muniz, Benedito Ruy Barbosa, eu. Era um timaço. Espelho Mágico, do Lauro, por exemplo, era uma novela dentro da novela. O público entendia. Se você sair um pouquinho do normal hoje, ninguém entende. E isso não é culpa da televisão.

“Hoje é difícil encontrar bons ouvintes, as pessoas não prestam mais atenção aos outros.”
Mario Prata, escritor

O streaming mudou os hábitos do público. Como afeta os autores?
Esse formato de TV com horários, jornal às 20h, novela às 21h, está acabando. Daqui a pouco a programação inteira estará sob demanda. Quem quiser poderá ver a novela das 18h às 4h da manhã. Isso muda também a maneira de estruturá-las, porque não conhecemos quem será o público. É criança? É adulto? Não dá para saber.

E a crônica? Ainda existe espaço?
Atualmente o pessoal confunde crônica com artigo. A Velha Guarda, Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, essa turma brincava com o leitor. Eles escreviam sobre borboletas, passarinhos. Na minha opinião, hoje estão faltando passarinhos.