Coluna

A altura do galho

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Bolívar Lamounier: "Com mais de 200 milhões de habitantes, quase todos vivendo no meio urbano, ou tomamos juízo ou vamos cair num poço bem fundo" (Crédito: Divulgação)

Por Bolívar Lamounier

Em 1930, a Argentina e o Brasil recorreram ao tradicional método do golpe de Estado para derrubar seus presidentes. No Brasil, o que entrou para a história como “Revolução de Trinta” foi um movimento para derrubar o presidente eleito Júlio Prestes. No esquema “café-com-leite”, seria a vez de Minas, mas o presidente em exercício, Washington Luís, impôs um candidato paulista. O argumento foi o de que os presidentes paulistas protegiam excessivamente a lavoura cafeeira, uma meia verdade que ajudou a compor o enredo. O próprio Getúlio Vargas titubeava sobre o projeto golpista, mas foi levado a comandá-lo, dada sua condição de governador do Rio Grande do Sul.

Na Argentina, onde havia forte influência do fascismo italiano tanto entre os militares quanto entre lideranças civis, derrubaram o presidente Hipólito Yrigóien. Assim como no Brasil, o golpe foi facilitado pela crise financeira de 1929 (pitorescamente denominada “crash da Bolsa de Nova York). Os golpistas imaginaram que o país voltaria ao “normal” em poucas semanas, e só muito mais tarde se deram conta de que, bem ao contrário, estavam embarcando numa turbulência sem fim, uma crise que está lá até hoje. Despencou de verdade, esborrachou-se, pela singela razão de que estavam num galho muito alto. Na segunda metade do século XIX, nossos “hermanos” já haviam avançado muito na área educacional. Em 1900, tinham uma renda por habitante superior à de diversos países da Europa. Em 1910, tinham metrô. O porto de Buenos Aires quase ombreava com o de Rotterdam na movimentação de cargas. Hoje, como sabemos, possuem um presidente que ninguém sabe direito a que veio, um Congresso controlado pela oposição peronista e a inflação deste ano beirando os 150 por cento.

O próprio Getúlio Vargas titubeava sobre o projeto golpista, mas foi levado a comandá-lo, dada sua condição de governador do Rio Grande do Sul

Nós não tivemos tantas costelas quebradas porque caímos de um galho bem mais baixo. Em 1936, quando Sérgio Buarque de Holanda escreveu Raízes do Brasil, um belo diagnóstico da situação brasileira, mais da metade de nossa população vivia em pequenas comunidades interioranas. Em 1949, nossa renda nacional equivalia a apenas 3% da dos Estados Unidos (um terço do percentual da Índia, também miserável, mas que possuía uma população muito maior). Ou seja, o que nos poupou de uma quebra tão violenta como a da Argentina não foi nosso pífio nível de riqueza, nem a Providência Divina, mas o fato de estarmos dependurados num galho bem mais baixo. Agora, com mais de 200 milhões de habitantes, quase todos vivendo no meio urbano, ou tomamos juízo ou vamos cair num poço bem fundo.