Comportamento

Relatório aponta sérios riscos em barragens de mineração

Agência Nacional de Mineração (ANM) divulga levantamento alarmante sobre a situação das barragens de minérios no país, condena 61 empreendimentos minerários, embarga 31 deles por alto risco de rompimento e alerta que 3 barramentos podem colapsar a qualquer momento

Crédito: : Defesa Civil/Ouro Preto/MG

Represa de Doutor, distrito de Antônio Pereira, é embargada pela fiscalização por alto risco de rompimento (Crédito: : Defesa Civil/Ouro Preto/MG)

Por Alan Rodrigues

Na escaldante manhã da segunda-feira, 13, quando os termômetros do Distrito Federal bateram a marca 37,2°C, o dia mais quente da história no mês de novembro, o clima também estava quente dentro do Ministério de Minas e Energia. Lá, os técnicos da Agência Nacional de Mineração (ANM) se debruçaram sobre um assustador relatório da situação de estabilidade das barragens de mineração inseridas na Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB).

O órgão federal de fiscalização apontou que dos 456 empreendimentos minerários existentes no país:
• 61 deles atingiram um nível perigoso de emergência,
• 31 desses foram embargados por falta de estabilidade nas estruturas,
• e três deles correm risco iminente de rompimento a qualquer hora
.

“É uma bomba relógio que deve ser desmontada com muita cautela”, alerta Carlos Eduardo Ferreira Pinto, coordenador do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente de Minas Gerais (CAOMA).

Um olhar mais detalhado do relatório mostra que das 31 barragens sob alerta, 25 delas entregaram a Declaração de Condição de Estabilidade (DCE), o documento mais importante do processo de segurança de barragens de mineração, porém, as declarações não atestam a estabilidade das estruturas e seis delas não enviaram as DCEs.

A ANM considera que é a partir desse documento que se avalia a integridade do reservatório de rejeitos e se estabelecem as medidas de monitoramento, manutenção e contingência necessárias para garantir a segurança da estrutura. “O não envio da DCE, quando obrigatório, pressupõe a estabilidade não atestada da estrutura”, dizem os técnicos dos ministérios no relatório.

Movimentos sociais pressionam governos e empresas para cumprimento de lei (Crédito:Divulgação)

O mapa das barragens mostra, também, que metade das 61 apresenta algum tipo de anomalia, o que as coloca em alerta vermelho – essas estão distribuídas por Minas Gerais, onde estão 25, duas no Mato Grosso, uma no Pará, duas no Amazonas e uma no Rio Grande do Sul.

Vale lembrar que, em Minas Gerais, em pouco mais de três anos a indústria minerária provocou as duas maiores tragédias socioambientais da história do Brasil, envolvendo estruturas de mineração e rejeitos de minério de ferro: o desastre de Mariana, em 2015, e a catástrofe ocorrida em Brumadinho, em 2019.

Quando os técnicos finalizavam o relatório, no início de novembro, dezenas de mineiros em Mariana ainda lamentavam os mortos ou contabilizavam prejuízos ocorridos há oito anos.

Segue na memória o 5 de novembro de 2015, quando o rompimento da estrutura de Fundão, explorada pela empresa Samarco, derramou 39 milhões de m³ de lama tóxica sobre os distritos de Bento Rodrigues e Paracatu, provocando a morte de 19 pessoas e jogando na miséria centenas de famílias que até hoje lutam para serem reassentadas ou indenizadas, além de devastar rios, fauna e flora.

O mecânico Mauro Marcos da Silva é uma das vítimas do desastre. “Vivemos até hoje o terror daquela tarde, 80% dos atingidos convivem com transtornos psiquiátricos, muitos ainda lutam na justiça para receberem as indenizações e 58 vizinhos morreram durante esses anos de espera”, diz.


Geóloga, Ana Carla, é retirada de casa compulsoriamente e vive há dois anos em hotel (Crédito:Divulgação)

No próximo 25 de janeiro completa-se cinco anos do outro desastre ambiental causado pelo rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, da mineradora Vale, em Brumadinho (MG). Uma tragédia que ceifou a vida de 272 pessoas e deixou rastro de destruição.

Disparos de alarmes, a correria para áreas de auto salvamento ou mesmo o desalojamento compulsório se tornou realidade para a população. A geóloga Ana Carla Cota vive há dois anos em um minúsculo quarto de hotel na cidade de Mariana, junto a dois filhos.

“É uma prisão em regime semi-aberto”, diz. Ex-funcionária da mineradora Vale, onde trabalhou por dez anos, Ana Clara dá vida aos números do relatório. Ela foi obrigada a deixar a própria casa em janeiro de 2020 para se proteger do risco de ter o imóvel invadido pelos rejeitos de minérios da mina Doutor, em Ouro Preto. “Estamos em eterno estado de sobrevivência”, diz a geóloga.

Riscos à parte, a notícia boa vem de Brasília. O Congresso Nacional acaba de aprovar uma legislação nacional, sustentada na lei mineira – “Mar de Lama Nunca Mais” está nas mãos do presidente Lula para ser sancionada. “Com a aprovação da legislação federal, o Estado brasileiro reconhece os direitos das populações atingidas por barragens”, comemora Letícia Oliveira, dirigente do Movimento dos Atingidos por Barragens (MBA).

“As fiscalizações estão ocorrendo assim como o descomissionamento das barragens”, atesta Ronald Guerra, vice-presidente do Instituto Guaicuy. “Agora só falta a regulamentação da legislação”, conclui.