Editorial

Um alucinado a mais no poder

Crédito: Tomas Cuesta

Carlos José Marques: "Expectativas positivas de o país sair do buraco nas mãos desse milongueiro Milei? Nenhuma" (Crédito: Tomas Cuesta)

Por Carlos José Marques

Chegou ele! O libertário, nada draconiano, candidato argentino, Javier Milei levou a eleição. O homem que se aconselha com cachorros clonados e médiuns sobre os caminhos a seguir; o roqueiro do caos que prega o fechamento do Banco Central, a ruptura comercial do Mercosul e revisões dos negócios com Brasil e China; o tresloucado defensor do retorno à fracassada dolarização, o promotor da venda de órgãos humanos como negócio lucrativo chegou ao poder na terra dos “hermanos”. O que virá daqui por diante? Ninguém sabe, muita gente teme. Torcida para dar certo, claro, há de ter. Afinal, existe ali um importante parceiro bilateral dos negócios brasileiros, um, digamos, aliado de longa data. Já as expectativas positivas de o país sair do buraco nas mãos desse milongueiro Milei? Nenhuma. É bem mais difícil imaginar que o despreparo e a absoluta ignorância de métodos do anarquista fanfarrão produzam algo de positivo. Mais provável que os argentinos sejam feitos de palhaços novamente. Tem virado tradição por aquelas bandas. A quantidade de salvadores da pátria que já passaram por lá não encontra paralelo na história recente. De uma só sentada, em tempos pretéritos, em um hiato de apenas 12 dias – é bom lembrar! – os ruidosos habitantes da Bacia do Prata chegaram a ter cinco presidentes. Isso mesmo: cinco no intervalo de menos de duas semanas, dando conta do cipoal de experimentos estrambólicos que já deitou raízes por aquelas terras. Não é brincadeira o número de passos rumo ao desastre que “los hermanos” já bailaram como em um de seus dramáticos tangos. Estão agora “por una cabeza de un noble potrillo”. O aliado de última hora de Milei e impulsionador do apoio providencial às aspirações desse libertário, Maurício Macri, também já havia feito das suas por ali. Implodiu com tudo quando ocupou a Casa Rosada. Levou a Argentina a um colapso sem precedentes. Recorreu a um empréstimo-monstro do FMI, de US$ 50 bilhões, que só piorou as coisas. Teve de sair pelas portas dos fundos antes do final do mandato. Mais adiante não conseguiu a reeleição e acabou tentando agora se aconchegar nos braços de Milei. Vai conseguir uma volta por cima? Claro que não! Enredo fadado ao fracasso. A Argentina de inflação beirando os insuportáveis 140% ao ano está com os seus cidadãos estocando comida em casa, temendo o pior. O patriarcado peronista continua ditando as ordens no Congresso, apesar da fragorosa derrota presidencial. Os planos de Milei no horizonte colocam a banca financeira em estado de atenção máxima. O dólar, como não poderia deixar de ser, voltou a disparar no paralelo, apesar do controle artificial imposto. Reina uma bagunça generalizada e uma indefinição de tal ordem por aquelas bandas que nenhum redentor, na curta margem de tempo e de opções que restam, será capaz de dar jeito. Ainda mais com a equipe medíocre que busca montar. Estão vendendo desta feita a ideia de término de uma forma de se fazer política e o início de uma “nova era”. O mundo já assistiu a tais promessas, ventiladas por outros aventureiros de plantão. Do Brasil inclusive. De Collor à Bolsonaro, enquanto lá fora, de Trump nos EUA ao descabelado Boris Johnson, aconteceu de tudo. E deu no que deu! Ingleses encararam o Brexit desastroso, americanos foram tomados de assalto por extremistas invadindo o Capitólio enquanto seu presidente era pilhado em flagrante roubando documentos secretos da Casa Branca, entre outras traquinices, e por aqui… bom, melhor deixar prá lá! Ninguém mesmo quer recordar do confisco da poupança ou mesmo do profeta do fim do mundo Bolsonaro, deixando milhares morrerem sem vacina enquanto tentava um golpe para se perpetuar no poder. Na via crucis do momento, as perspectivas lá na Argentina, sob Milei, não são nada promissoras. Nem mesmo para o Mercosul, bloco no qual tenta uma virada de mesa que pode vir a comprometer até mesmo o esperado acordo com a União Europeia. O prognóstico mais em voga é o de que vem pela frente uma onda de más notícias sobre más notícias. Para piorar, não há nenhuma margem para erros. O presidente acidental, que mais se aproxima de um animador de auditório ou palhaço de circo, está prestes a empurrar os argentinos em direção a um mergulho profundo no abismo, dentro de uma espiral de incertezas, seja com a sua terapia radical de choques ou mesmo pela via da tutela daqueles que o ajudaram a chegar lá. As soluções mágicas que marcam o populismo jamais deram certo e, provavelmente, não será desta vez que provarão o contrário.