Cultura

‘Napoleão’, o filme: o senhor da guerra visto em todos seus contrastes

Com intepretações magistrais e batalhas retratadas com realismo impressionante, 'Napoleão' coroa o britânico Ridley Scott como o grande diretor de épicos da atualidade

Crédito: Kevin Baker

Joaquin Phoenix: atuação digna de Oscar alterna momentos de timidez e explosão (Crédito: Kevin Baker)

Por Felipe Machado

O britânico Ridley Scott realizou o sonho que Stanley Kubrick tanto perseguiu, sem sucesso. De 1967 a 1971, o diretor de Laranja Mecânica pesquisou, com sua conhecida obsessão, todos os aspectos da vida de Napoleão. Leu todos os livros em língua inglesa sobre o líder francês, finalizou o roteiro e chegou ao absurdo de reunir 17 mil imagens de referência para as locações, figurinos e cenários. A ideia não foi em frente pelo alto custo — entre outros exageros, Kubrick queria contratar o exército da Romênia para as cenas de batalha. O projeto ficou conhecido como “o maior filme jamais filmado”. Em meio a rumores de que Steven Spielberg faria uma série a partir do roteiro do colega, Ridley Scott se antecipou e fez o seu Napoleão. Gastou US$ 200 milhões e ainda contou com uma vantagem sobre Kubrick: a tecnologia. Em vez de seres humanos como figurantes, usou computação gráfica.

Isso não reduz em nada sua empreitada. Napoleão é um dos filmes mais espetaculares realizados nos últimos tempos, um épico com duas horas e meia de duração dirigido por Scott com segurança e competência.

Seus protagonistas oferecem atuações dignas de Oscar: Joaquin Phoenix (Napoleão) e Vanessa Kirby (Josephine) mantêm a tensão dramática nas alturas. Enquanto os exércitos se matam nos campos de batalha, disputando glórias e território, o casal duela de forma quase silenciosa pelo poder entre as quatro paredes dos palácios.

Phoenix, um dos maiores atores de sua geração, atua de forma oposta ao papel que lhe deu o Oscar, o histriônico Coringa, do filme de Todd Philips. Seu Napoleão navega entre os polos do maniqueísmo, ou seja, é contido e explosivo, cerebral e selvagem. A única característica que o acompanha ao longo de todo o enredo é a soberba — “sou o primeiro a admitir quando erro, mas nunca erro”, afirma o general, diante de seus marechais.

Gênio militar

Diferentemente de Stanley Kubrick, cujo roteiro começa com a infância de Bonaparte, Scott preferiu contar a história a partir de sua juventude, ao final da Revolução Francesa. Com o fim do governo Luis XVI e a decapitação de Maria Antonieta, o país foi governado, durante um tempo, pelo sanguinário Robespierre.

Pois foi nesse cenário de incertezas que o gênio militar de Napoleão se sobressaiu, com uma vitória histórica sobre os ingleses no porto de Toulon. A partir daí soube como ninguém negociar com as lideranças políticas, que viam nele um instrumento para dissuadir eventuais inimigos.

Estavam errados: com o aval das tropas, que o idolatravam, Napoleão esperou o momento certo para aplicar o golpe de Estado que escalou, após sucessivos degraus, até o trono de imperador.

Ridley Scott e Joaquin Phoenix, diante das tropas: o diretor britânico minimizou as críticas da imprensa francesa (Crédito:Aidan Monaghan)
Poder supremo: após retirar a coroa das mãos do papa, Napoleão coroa a si mesmo e a Josephine, sua mulher . (Crédito:Aidan Monaghan)

Como todo relato histórico, ainda mais sobre um personagem tão controverso, o filme não ficou imune às críticas. A imprensa parisiense o acusou de ser “antifrancês”.

“Os franceses não gostam deles mesmos”, respondeu Ridley Scott. Houve acusações de inconsistências históricas, ainda que pequenas.

Na campanha do Egito, por exemplo, Napoleão ordena um ataque que atinge as pirâmides, o que não aconteceu. O diretor defendeu a liberdade poética da cena, mandando o crítico “procurar o que fazer”.

Birras à parte, de ambos os lados, a verdade é que não há nada tão sério a ponto de desqualificar a obra. A única coisa que incomoda um pouco é ver uma história tão francesa falada em inglês — mas é o preço que os franceses têm de pagar, mesmo a contragosto, para ver a saga de seu maior líder contada de forma magistral por um britânico.