Comportamento

“Lutar é bem mais fácil do que atuar”, diz ex-lutador Anderson Silva

Crédito: Germano Luders

Antes de virar lutador de MMA, Anderson experimentou a dança e o futebol (Crédito: Germano Luders)

Por Luiz Cesar Pimentel

Aos 48 anos, Anderson Silva está migrando de carreira pela terceira vez. Dos combates no MMA (artes marciais mistas), onde é considerado um dos maiores lutadores da história — 17 vitórias em sequência, sendo 10 defesas de título no UFC (Ultimate Fighting Championship) —, foi para o boxe e agora parte para o cinema. “Estudo atuação há oito anos. É minha paixão”, diz. Outro gosto inusitado inclui a dança, desde que foi dublê do rapper MC Hammer na escola, conforme narra o seriado baseado na sua história Anderson Spider Silva, lançado agora pela Paramount. Sobre ter a vida exposta em cinebiografia, diz que o mais difícil foi a emoção ao reviver passagens tristes, como a perda do primeiro filho ainda bebê e a entrada na carreira esportiva. Só que ao citar a cena mais representativa de sua vida, não aponta triunfo no ringue ou octógono, mas como sua mãe o criou à base de música, antes de entregá-lo aos cuidados dos tios. “Passagem marcante para mim [na série] foi reproduzirem minha mãe me pegando no colo e dançando pela casa comigo.”

Você tinha a dimensão, antes da série, de quão cinematográfica foi e continua sendo a sua vida? Nasceu em São Paulo, foi criado em Curitiba pelos tios, se desenvolveu para virar o melhor do mundo em uma atividade específica esportiva, que demanda muito de primeira formação e estímulo familiar.
Vendo tudo o que vivi até aqui e tudo o que passei na vida, consigo entender a dimensão, sim. Em alguns momentos é até um pouco difícil olhar para tudo isso, assistir à série me causa bastante emoção. Ontem, por exemplo, foi um dia em que me peguei bem emotivo, vindo pra casa depois do trabalho, em balanço de tudo o que está acontecendo na minha vida e o que já aconteceu, as coisas boas, a oportunidade por Deus ter colocado essa família na minha vida, de ter sido criado pelos meus tios, mesmo tendo contato com meus pais, ter tido esse amor, tanto dos meus pais biológicos quanto dos de criação. Saber que hoje consegui conquistar algo que é mais importante do que qualquer outra coisa, mais do que dinheiro, mais do que fama, que é a família que tenho, o respeito e o reconhecimento mundial. Saindo de onde saí para estar onde estou. Ontem, após horas de filmagem dentro do set, onde estamos rodando um longa incrível [está gravando filme de ação, com cenas entre EUA, Canadá e México], trabalhando com atores sensacionais, eu pensei: “Caramba, cara, passar por tudo que passei, estar aqui hoje, só tenho que aproveitar o momento e ser grato por tudo”. Então, tenho só gratidão pelo que acontece na minha vida. Apesar de que ser ator é bem mais difícil do que lutar. Lutar é muito mais fácil.

Após ter se tornado um fenômeno brasileiro, em 2019 você se tornou cidadão americano também. Como você resume sua relação prévia com o Brasil e como ela ficou após você mudar para os Estados Unidos e ganhar dupla nacionalidade?
Posso dizer para você que sou um cidadão do mundo, porque tenho o reconhecimento mundial. Todos os países onde tenho as filiais [das academias Muay Thai College, Killer Bees e da rede de fitness Spider Kick, sou bem recebido e é gratificante poder transitar nesses países e levar o nome do Brasil para o mundo inteiro. Acredito que conquistei o respeito através do esporte e consegui levar para o mundo todo isso. Ser brasileiro e poder ir para o Japão, para a China, as pessoas falarem bem do nosso País, falarem bem do Brasil e do que consegui construir.

“Tenho relação ótima com o seu Jorge. Nós trocamos muitas ideias. É um ator sensacional” (Crédito:Fabio Braga)

Diferente de grande parte dos atletas, você não se omitiu politicamente quando foi colocado o debate e requisitada sua opinião social, política. Tentaram usar seu nome, inclusive, com interesse eleitoreiro, e você evitou, mas não se eximiu. Qual é seu posicionamento nas questões social e política brasileira e onde elas te tocam mais?
Olha, o Brasil é um país incrível. Eu devo muito ao meu País e procuro representá-lo de todas as maneiras possíveis e em todos os lugares. Para todos os lugares onde vou, consigo levar o Brasil no mais alto nível. Isso é que me gratifica, porém eu não sou político — sou um atleta brasileiro, um representante pelo mundo, que tenta exercer a responsabilidade da melhor maneira possível ao levar o que faço de melhor dentro do meu segmento, que são as artes marciais, e venho conseguindo fazer isso com bastante sucesso. Hoje a Muay Thai College e a Killer Bees tem mais de 70 filiais espalhadas pelo mundo. Então imagina como é bom viajar para a Mongólia e ter um time lá, com a bandeira do Brasil.

Entrando na sua história, no que retrata o seriado, você teria até motivos para carregar uma amargura em relação ao País, já que perdeu um filho ainda bebê e se pergunta: “Se tivesse uma condição melhor de vida no momento, será que sobreviveria?”.
Olha, acho que todo mundo tem momentos na vida, todos têm momentos bons e momentos ruins, e esses servem para que você consiga crescer como pessoa, como ser humano. Usei alguns momentos que foram muito difíceis na vida para me transformar em alguém melhor, para criar a possibilidade de ser um pai melhor, de ser um filho melhor e poder dar condição melhor para a minha família. E foi o que fiz. Não me coloquei em nenhum momento como vítima de absolutamente nada. Fiz o que tinha que fazer. Por meio do dom que Deus me deu, das oportunidades que me proporcionou juntamente com a minha dedicação, empenho, força de vontade e disciplina.

A série retrata o seu núcleo familiar de criação, seus tios, com papel decisivo em seu desenvolvimento. Isso retrata fielmente o que foi a sua infância, adolescência, até a sua entrada no mundo adulto?
A série é baseada [na vida real], né? Queria contar tudo, mas não tem tanto espaço. Mas tudo o que está registrado são fatos que aconteceram. Algumas coisas são fundamentais para que as pessoas entendam quem é o Anderson, de onde saí e onde estou hoje. Minha mãe aparece na série, meu pai não, mas tenho uma relação ótima com ele. Meu tio é vivido pelo Seu Jorge, de quem sou fã e com quem tenho uma relação ótima. Trocamos muitas ideias e ele é um ator sensacional. Com a minha mãe biológica, sempre falo. Tive a grande oportunidade e o presente de ser criado pelos meus tios. Eles foram a base de tudo o que tenho, tudo o que me tornei como ser humano, como homem, como pai, como filho e como neto também. Só tenho a agradecer à minha mãe por ter tido a coragem, entender o momento que estava vivendo e escolher o melhor para mim. É uma coisa que a gente conversa muito, mas foi a melhor decisão que ela tomou diante da perspectiva da época. Ela não pensou só nela, pensou em mim, pensou em tudo que iria trazer de melhor para a minha vida.

Uma dúvida que restou em relação à cronologia da série é se você realmente tentou ser jogador de futebol antes de entrar na luta, fez teste no Corinthians e se você mergulhou no esporte mesmo daquela forma, a partir dos 15 anos, para descarregar a raiva.
Não foi exatamente assim. Como disse, é baseada [na vida real]. Provavelmente terá próxima temporada e aí vamos conseguir contar mais. A arte marcial entrou na minha vida quando era muito pequeno. Realmente eu tentei ser jogador de futebol, mas não consegui chegar a tempo no teste no Corinthians, cheguei atrasado ao Parque São Jorge e não consegui fazer. Acho que era coisa de Deus mesmo, pois dentro do clube do Corinthians tinha o time de boxe, amador e profissional. Acabei ali tendo meu primeiro contato com a luta. Foi no Corinthians, que o Vitor Ribeiro [técnico de boxe], um grande mestre, me ensinou muito e me deu a base para tudo o que aconteceu posteriormente e para que pudesse seguir no esporte. Eu já treinava artes marciais, outras modalidades, taekwondo, mas o Corinthians foi peça fundamental na minha vida também como lutador.

O seriado mostra uma comunhão muito forte com sua mulher, Dayane, desde o começo. Sugere que não era você que decidia; eram vocês que decidiam. Vocês se casaram depois de vinte anos de relacionamento e têm cinco filhos. Ela é realmente a sua base?
Ela é a base fundamental. Porque toda hora estou tomando dura, o tempo todo. A gente sempre tomou as decisões juntos. E, graças a Deus, continuamos conduzindo da melhor maneira. Temos cinco filhos, neto e continuamos fazendo tudo o que tem que ser feito para levarmos essa hegemonia familiar para frente.

“Não queria que nenhum dos meus filhos lutasse, mas o Gabriel decidiu seguir esse caminho e tem todo o meu apoio” (Crédito:Divulgação)

Você tem dois filhos que decidiram virar lutadores. Qual é a diferença de tensão entre ser lutador e ver seus filhos no ringue ou octógono?
O Gabriel e o Kalil lutam. Eles viajaram agora para Londres, onde o Gabriel vai lutar. Fico com o coração apertado de longe, mas estão bem treinados. Foram bem treinados, foram bem educados e tenho certeza que farão sucesso. Eu passei para eles a base da luta marcial. Não uma modalidade ou outra, mas a base marcial. Justamente para que quando chegasse este momento, que eles soubessem conduzir as próprias carreiras e caminhos. É claro que, como pai, fico meio aflito, mas com a certeza de que vão fazer o trabalho da melhor forma possível. Os dois estão juntos, sempre os treino juntos. Eu não queria que nenhum dos dois lutasse, queria que fizessem qualquer outra coisa, mas decidiram seguir esse caminho e têm todo o meu apoio e o de toda a família.

Você migrou para o boxe, onde teve quatro lutas, e depois deu uma virada na carreira, indo para o cinema. Ao mesmo tempo que ainda vislumbra uma última luta em MMA no Japão. Para onde você caminha em futuro próximo?
Estou que nem paraquedas o tempo todo, com a cabeça aberta. Então procuro me preparar para as oportunidades. Eu estudo atuação há mais de oito anos. Então, as coisas estão acontecendo agora dentro do caminho de ator. Tenho as filiais espalhadas pelo mundo. A minha vida é uma correria. Estou sempre me colocando em teste. Eu não fico parado em nenhum momento. Sigo sempre criando, realizando coisas novas, projetos. Estou colocando no papel quatro ou cinco histórias, que serão trabalhadas por roteiristas profissionais, e em breve virão notícias boas. Estou sempre tentando fazer a diferença na vida. Não sei se consigo fazer a diferença na vida das pessoas, mas na minha estou sempre tentando fazer. Também na da minha família, procurando inspirar meus filhos, fazer o melhor com as oportunidades para que, quando tenham as deles, façam melhor ainda.