Editorial

Um clima abrasador

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Carlos José Marques: "Somente neste ano, o País experimentou até aqui oito ondas de calor consecutivas" (Crédito: Divulgação)

Por Carlos José Marques

O Brasil, como de resto o mundo inteiro, está fritando em meio a temperaturas insuportáveis, com a sensação térmica em algumas regiões ultrapassando facilmente os 50 graus Celsius. E olha que nem sequer chegou por aqui o verão, quando o clima normalmente atinge o auge do calor. Caso ainda não tenha dado para perceber, os fatos falam por si: já entramos, bem antes do imaginado e estamos totalmente mergulhados, numa era de aquecimento acelerado, cuja tendência é quase irreversível. Sobreviveremos? A resposta segue como incógnita, mas, pela escalada do quadro, é aconselhável mudar o quanto antes, urgentemente mesmo, o cipoal de práticas catalizadoras de gás carbônico que apenas agravam o drama — desmatamentos e queimadas em especial. Parece lugar comum falar disso, mas nunca antes as evidências dos efeitos deletérios de abusos ambientais ficaram tão à flor da pele. Literalmente. Na amostra dos últimos dias, nada menos que 1.400 municípios do País receberam o alerta vermelho de “grande perigo” por conta da onda de mormaço extremo. Somente neste ano, o País experimentou até aqui oito ondas de calor consecutivas. Recordes vêm sendo batidos diariamente nos termômetros. Cientistas ficaram espantados com os efeitos devastadores do chamado Super El Niño – o fenômeno das correntes de águas quentes dos oceanos em grau multiplicado – e o que, para muitos, já parece difícil, não é nada diante do que está por vir. Os especialistas são unânimes em apontar que a frequência de quadros assim tende a se estreitar. Pela primeira vez, por exemplo, o País registrou, segundo mapas produzidos pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), uma região árida típica de deserto. Isso mesmo: a aridez em algumas localidades caiu a patamares inéditos, sob os quais a vida humana e animal podem ser quase impossíveis. O estudo do Cemaden foi entregue ao Ministério do Meio Ambiente e aos demais órgãos do setor para que seja elaborado um plano de mitigação do problema, sob pena de crescimento da extensão territorial nessas condições. Desde já, episódios cataclísmicos, antes desconhecidos de boa parte dos brasileiros, passaram a ocorrer como rotina. Ciclones destruidores e até um tsunami meteorológico aconteceram ante o espanto geral. Praias do Rio, Santa Catarina, São Paulo, em um processo que se estendeu até boa parte do litoral nordestino, foram engolidas com as águas de ondas avançando sobre prédios e arrastando tudo pela frente. A força das marés não encontra precedentes históricos, enquanto rios na Amazônia sofrem com secas devastadoras. As redes digitais estão repletas de vídeos dramáticos documentando os episódios e suas vítimas. São imagens que estampam o poder de resposta da natureza contra tantas décadas de descaso. O planeta encarou há pouco, em outubro passado, o mês mais quente da história da humanidade em aproximadamente 125 mil anos, segundo o Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus, órgão de pesquisas da União Europeia. E são concretas as chances da situação se repetir indefinidamente, numa escalada em velocidade assustadora. A Organização das Nações Unidas (ONU) informa, por sua vez, que a temperatura geral da Terra irá subir 1,5 grau até a conclusão desta década, algo que antes era previsto para ocorrer apenas ao final do século. Não estamos, definitivamente, preparados para uma hecatombe dessa magnitude. No Ártico, o gelo da Groenlândia está derretendo em um ritmo impressionante. A região já perdeu 35% de suas calotas e plataformas polares nas últimas décadas, gerando um aumento dos oceanos e outros impactos significativos. Não há paralelo em termos de fenômenos inflamáveis que estão devastando florestas mundo afora. A única boa nova no contexto atual é que o Brasil conseguiu, finalmente, reduzir o desmatamento em 22,3% no último ano, segundo dados do INPE. Um feito extraordinário após o devastador período do governo Bolsonaro que contribuiu para uma redução significativa da área verde brasileira. A manter o ritmo e o rumo de queda do momento, o Brasil pode atingir a meta climática de 2025, cumprindo com o compromisso firmado no Acordo de Paris. É um alívio saber que, por engajamento governamental, na troca por uma gestão mais consciente, a reversão do processo destrutivo das matas esteja ocorrendo. Diante das consequências claras a que a humanidade hoje assiste, qualquer ajuda na direção certa faz a diferença.