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Entre seu haras e a Câmara, Lira coleciona polêmicas e patrimônio

Paralelamente às suas atividades no Congresso, o presidente da Câmara vem investindo milhões na pecuária: organiza vaquejadas e frequenta leilões de cavalos Quarto de Milha. Só em 2023, arrematou três desses animais, por R$ 654 mil

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Arthur Lira (à dir.) e o filho vaqueiro, Alvaro: “Congresso vai estar sempre atento na defesa do melhor para o cavalo” (Crédito: Divulgação)

Por Gabriela Rölke

Entre os dias 30 de novembro e 3 de dezembro próximos, Arthur Lira (PP-AL) vai deixar de lado o figurino sóbrio de presidente da Câmara para dar lugar a um pecuarista apaixonado por equinos e habitué de leilões de cavalos que, apenas neste ano, gastou R$ 654 mil para arrematar três desses animais.

De propriedade dos Lira, o Parque Arthur Filho, no município alagoano de Pilar, vai sediar durante esses quatro dias a sua 16ª Vaquejada, atividade competitiva praticada especialmente no Nordeste, na qual vaqueiros a cavalo têm que derrubar um boi bravo puxando-o pelo rabo.

Mas não é qualquer cavalo: o mais utilizado é o Quarto de Milha, raça predileta do deputado. E não é um evento barato. No último frequentado por ele, Lira arrematou o WS Príncipe Gunner, um cavalo pelo qual pagou R$ 200 mil, em um leilão realizado em Garanhuns (PE), no início do mês. O animal até então fazia parte do plantel do Haras WS, do cantor Wesley Safadão, amigo do parlamentar.

Os dois personagens – o Lira deputado e o pecuarista – recentemente se confundiram em um vídeo que o parlamentar gravou dentro da Câmara dos Deputados fazendo campanha para um amigo com quem compartilha interesses comerciais relativos a cavalos de raça: Celso Pontes de Miranda Filho, que tentava chegar à vice-presidência da Associação Brasileira do Quarto de Milha (ABQM), ao lado da titular Mônica Ribeiro de Castro Cunha. A chapa acabou eleita. “O Congresso Nacional, a Câmara dos Deputados e os deputados federais sempre estarão na defesa dos esportes e do cavalo”, dizia Lira na peça de propaganda. “Vamos estar aqui sempre atentos na defesa do melhor para o cavalo, na defesa do melhor para as tradições culturais e regionais, na defesa de uma ABQM sempre forte”.

Por força de lei, em 2016 a vaquejada foi elevada à condição de manifestação cultural nacional e patrimônio imaterial. Modalidade esportiva para os apreciadores, “crueldade intrínseca” na visão do Supremo Tribunal Federal, que anteriormente já havia se manifestado sobre o tema, a vaquejada é um negócio lucrativo.

Movimenta R$ 800 milhões por ano, de acordo com a Associação Brasileira de Vaquejada (ABVAQ). O Nordeste, onde a atividade se concentra, tem o segundo maior plantel de cavalos da raça Quarto de Milha: são 133 mil animais registrados. Alguns deles estarão no evento Parque Arthur Filho, maior espaço de vaquejada de Alagoas, batizado com o nome do primogênito do deputado, Arthur Lira Filho.

O filho 02 de Lira, Álvaro Lira, é vaqueiro e participa de competições. Vai participar das disputas no evento do pai, onde serão distribuídos R$ 200 mil em prêmios.

Deputado arrematou cavalo WS Príncipe Gunner por R$ 200 mil (Crédito:Divulgação)

Dinheiro oculto

Mas a imagem de pecuarista bem sucedido contrasta com a de um ex-marido com pensões alimentícias em atraso. Jullyene Lins, a ex-mulher, se refere a ele como “caloteiro”. “Um agropecuarista empreendedor que está voando tão alto”, mas que, em algum momento, vai fazer uma “aterrissagem forçada nas garras da Justiça brasileira”.

Ela também o acusa de ocultação de bens. No mesmo fim de semana em que o ex-marido comprou o WS Príncipe Gunner, Jullyene utilizou as redes sociais para relembrar o caso da pensão.

E publicou o que seria a relação de bens de Lira em 2007, quando ela entrou com uma ação de dissolução de união estável e partilha de bens. O montante, em valores da época: R$ 18,2 milhões (leia quadro ao lado). “É um dinheiro humanamente impossível de ser ganho por um deputado que veio de família pobre e sem posses”, diz ela.

Nas eleições de 2022, Arthur Lira declarou à Justiça Eleitoral um patrimônio de R$ 5,9 milhões. No pleito anterior, em 2018, havia informado possuir bens num valor total de R$ 1,7 milhões.

Em quatro anos, portanto, mais do que triplicou o próprio patrimônio. Nada que se compare ao valor dos bens elencados por Jullyene, claro. Mas uma evolução patrimonial dessa monta para alguém cujo salário como deputado federal é de R$ 39 mil revela, quando menos, um talento excepcional para os negócios.

Deve ser de família. Seu primogênito, que nomeia o parque de vaquejada da família, é sócio da Omnia 360, que representa empresas de mídia que têm contratos com órgãos públicos, como a Caixa Econômica Federal, cujo novo presidente, Carlos Antônio Vieira, indicado por Lira, acaba de ser nomeado pelo presidente Lula, num grande acordo com o Centrão para aprovar projetos de interesse do governo no Congresso, como a Reforma Tributária.


Wesley Safadão: sertanejo, que também cria cavalos, vai se apresentar na vaquejada dos Lira, em Alagoas (Crédito:Divulgação)