Brasil

Fundo eleitoral e emendas: o apetite de jacaré do Congresso

Na contramão da defesa das iniciativas que a área econômica tem feito do equilíbrio fiscal, parlamentares, guiados por interesses eleitoreiros, avançam sobre fatias cada vez maiores do Orçamento da União

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A voracidade dos parlamentares deve resultar em uma despesa de R$ 101,2 bilhões para os cofres públicos federais no próximo ano (Crédito: Istockphoto)

Por Gabriela Rölke e Mirela Luiz

Deputados e senadores trabalham para garantir um fundo eleitoral de no mínimo R$ 4,9 bilhões para 2024 e para que o governo federal mantenha para o próximo ano a fatia orçamentária destinada às emendas parlamentares, que, este ano, foi de R$ 46,3 bilhões, além de outros R$ 10 bilhões a título de emendas extras, a serem distribuídas de acordo com as conveniências políticas. Só aí já seriam R$ 61,2 bilhões “carimbados” para repasse aos congressistas. Mas um pacote de pautas-bomba em articulação no Congresso pode chegar a outros R$ 40 bilhões, o que deve resultar em uma despesa de R$ 101,2 bilhões para os cofres públicos federais no próximo ano.

Esse montante poderia ser ainda maior, já que os parlamentares, que gostariam de elevar o fundo partidário para R$ 6 bilhões, ao que tudo indica vão precisar se contentar com um valor igual ao que foi destinado para essa finalidade nas eleições do ano passado, quando o repasse destinado aos partidos para financiar candidaturas aos cargos de presidente, senador e deputado federal, estadual e distrital foi de exatos R$ 4,9 bilhões.

Incentivados pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), prócer do Centrão, parlamentares de todos os matizes haviam deixado de lado as divergências ideológicas para se unir e inflacionar ainda mais esse valor.

A ideia, porém, não foi bem recebida pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Preocupado com a imagem do Congresso e com a reação da opinião pública diante de um aumento exorbitante para o qual não haveria justificativa plausível, o senador avisou a líderes partidários que é contra a iniciativa.

Chegou a propor um valor próximo ao de 2020, que foi de R$ 2 bilhões – mas a saída para o impasse deve um meio termo: não aumentar, mas também não diminuir o repasse, e manter os R$ 4,9 bilhões de 2022.

Quanto às emendas parlamentares, o apetite do Congresso é incontrolável, como é sabido – ainda mais desde que Arthur Lira chegou ao poder e atualizou os limites do que pode ser negociado em troca de apoio para a aprovação das pautas de interesse do Palácio do Planalto.

Ainda não há uma definição sobre o valor dessas emendas para 2024; mas não se espere nada menos do que os mesmos R$ R$ 46,3 bilhões de 2023 – no Orçamento deste ano, esse valor corresponde a um quarto de tudo o que o governo federal tem para uso livre.

A mesma lógica vale para os R$ 10 bilhões das chamadas emendas extras: não há hoje no horizonte nenhum sinal de que esse valor possa ser reduzido. Neste ano, cada deputado tem direito a R$ 32 milhões em emendas individuais, para contemplar suas bases eleitorais. Para os senadores, o teto foi de R$ 59 milhões. É o preço que o governo paga em troca de apoio no Parlamento.

Em relação às pautas-bomba, que podem impactar em R$ 40 bilhões os cofres públicos, R$ 18,4 bilhões se referem à desoneração da folha – a medida foi aprovada no Senado no final de outubro.

Outras duas pautas-bomba aguardam apreciação na Câmara: um proposta de prorrogação de incentivos fiscais, cujo custo é de R$ 15 bilhões até 2028, e uma PEC que inclui servidores públicos de Amapá, Rondônia e Roraima na folha de pagamento do governo federal a um custo anual de R$ 6,5 bilhões.

De olho em suas bases, deputados e senadores dos mais variados matizes trabalham juntos para inflacionar benesses (Crédito: Pedro Ladeira)

Ressalvas

“Sobre o fundão eleitoral, a tendência é que os parlamentares aprovem mais e mais aumentos”, diz Sérgio Praça, professor e pesquisador do CPDOC (FGV-RJ) e do Cepesp (FGV-SP). “Eles não têm motivos para se preocupar com o impacto orçamentário disso, pois quem leva a culpa é o presidente da República, além dos presidentes da Câmara e do Senado”.

Por sua vez, William Eid Júnior, diretor do Centro de Estudos em Finanças da FGV, defende um mutirão no País em prol da probidade e do bom uso do dinheiro público. Ele lembra que, para financiar a dívida pública, muitas famílias vêem sua renda ir embora com juros elevados e superendividamento.

“Isso sem falar no constante aumento dos impostos, também para financiar os gastos públicos”, destaca. “Os homens públicos deveriam dar um exemplo de maior probidade e cuidado no trato do dinheiro público. E tanto as emendas como o fundo eleitoral vão no sentido contrário”, disse Eid Júnior. Ou seja, os parlamentares mantêm bem aberta a bocarra insaciável que engole o dinheiro público.