Cultura

Magia abstrata: telas de Mark Rothko ganham retrospectiva em Paris

Retrospectiva histórica na Fundação Louis Vuitton, em Paris, reúne 115 obras do pintor Mark Rothko. Cedidas por instituições de todo o mundo, mostra a força do artista cujos “Campos de Cor” parecem levar o público para dentro dos quadros

Crédito: Dimitar Dilkoff

Tela de Mark Rothko: complexa como a alma humana (Crédito: Dimitar Dilkoff)

Por Felipe Machado

Compostas por diversas camadas de tinta a óleo sobrepostas e exibidas em enormes dimensões, as telas de Mark Rothko parecem sugar o espectador para dentro delas. Sentar-se diante de um desses quadros inspira uma sensação indescritível, que chegou a ser classificada por críticos mais radicais como uma experiência metafísica. “Só me interessa as expressões humanas básicas, a tragédia, o êxtase, a maldição”, declarou Rothko, quando indagado sobre o significado por trás de seus grandes e coloridos retângulos. Não há razão para tentar compreendê-los: é mais fácil classificar sua arte como uma espécie de magia abstrata.

Mark Rothko nasceu Markus Yakovlevich Rothkowitz, em 1903, na Letônia, e morreu em 1970, em Nova York. O ano de 2023, no entanto, marca seu renascimento artístico. Isso graças a uma espetacular exposição em cartaz na Fundação Louis Vuitton, em Paris, primeira retrospectiva de seu trabalho na França desde 1999.

A mostra reúne 115 obras de todas as suas fases e contou com a colaboração de museus internacionais e coleções particulares. O esforço que tornou esse projeto possível nasceu da parceria entre Suzanne Pagé, curadora da FLV, e Christopher e Kate Rothko, filhos do artista.

Entre as instituições que cederam seus acervos estão a National Gallery of Art e Phillips Collection, de Washington D.C., nos EUA, e o Tate Modern, de Londres, na Inglaterra.

Parceria bem sucedida entre a instituição francesa e a família do artista: mostra na FLV proporciona sensações indescritíveis e “experiência metafísica”, segundo os críticos mais radicais (Crédito:Panayotis Pavleas)

A opção por organizar a exposição em ordem cronológica parece ter uma função clara. Partindo dos primeiros trabalhos figurativos até chegar aos monumentos abstratos pelos quais Rothko é famoso hoje, fica claro que a ideia é demonstrar como o seu pensamento foi evoluindo com o tempo.

Abre com cenas e paisagens urbanas de Nova York, metrópole para onde ele se mudou em 1923, após abandonar o curso de Engenharia na Universidade Yale. Em 1925, encontrou sua vocação ao estudar na Parsons School of Design com o professor Arshile Gorky, que o influenciou a seguir o caminho do expressionismo abstrato. Começou então a desenvolver as pinturas que seriam descritas pelo crítico Clement Greenberg em 1955 como “Campos de Cor”.

“Seus retângulos coloridos se desmancham na luz”, definiu por sua vez outro crítico norte-americano, William S. Rubin.

Em 1958, Rothko foi convidado a produzir uma série de painéis para o luxuoso restaurante Four Seasons, sediado no edifício Seagram, em Nova York, projeto do arquiteto Mies van der Rohe. Para isso recebeu o cachê de US$ 35 mil, valor altíssimo para a época.

Antes de finalizá-los, o pintor foi jantar no local com Mell, sua esposa. Como demorava para cumprir o contrato, uma pintura de Jackson Pollock passou a ocupar de forma provisória a parede central. Não se sabe exatamente o que aconteceu durante o jantar — a peça Vermelho, encenada por Antônio Fagundes, sugere uma versão para a desistência —, mas Rothko ligou para o gerente do projeto ao chegar em casa e disse que ia devolver o dinheiro.

“Qualquer um que coma esse tipo de comida e pague esses preços nunca olhará uma pintura minha”, desabafou mais tarde ao seu assistente de estúdio. Onze anos depois, os nove quadros foram doados à Tate Modern, em Londres, com a condição de que fossem exibidos todas juntas em uma sala permanente. O desejo foi atendido e essas obras magníficas, quase todas em tons avermelhados, estão expostos na FLV.

Mark Rothko, pintor: “Me tornei um artista porque queria elevar a pintura ao nível de complexidade que há na música e na poesia”  (Crédito:Divulgação)

Nos anos 1960 Rothko aceitou outra encomenda, de natureza bem diferente. Foi chamado para pintar murais para a capela John e Dominique de Menil, em Houston, no Texas — hoje conhecida como Capela Rothko.

Em tons escuros, são o oposto do que alguém imaginaria encontrar em uma igreja. O artista exigiu ainda que fossem penduradas abaixo do planejado. Queria que ficassem na altura dos olhos dos fiéis, para estimular que fossem contempladas durante o culto religioso — elas também foram cedidas e integram a mostra de Paris.

Na última sala estão as pinturas de sua fase derradeira, quase todas em preto e cinza — cercadas por esculturas do suíço Alberto Giacometti, parceria que estava prevista para acontecer em um evento da ONU, mas que nunca se concretizou.

A escassez de cores desse período é geralmente atribuída à depressão que o acometeu no final da vida e que o levou a tirar a própria vida. Isso, no entanto, seria uma simplificação da sua arte que, em sua essência, era complexa como a alma humana.