Planeta Terra sem lei

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Mentor Neto: "A justiça se dá online, decidida pela unanimidade burra e desinformada" (Crédito: Divulgação)

Por Mentor Neto

Um professor preto discute com um aluno na sala de aula.

O homem é grande, joga seu corpo sobre o adolescente aos gritos.

O rapaz o empurra e diz algo ininteligível.

Ao que parece, o jovem usou a N-word, a palavra com N…

Imediatamente o professor aplica uma gravata no aluno, e o leva ao chão, com violência.

O professor pisa sobre o jovem, evitando que levante enquanto, aos gritos, insiste para que o rapaz repita o que disse.

Enquanto isso, os outros alunos registram a cena em seus celulares.

Naquele momento, é mais importante conseguir um bom post do que tomar partido.

A escola decide pela demissão imediata do professor.

A Associação de Alunos Pretos da escola faz uma passeata.

Ingenuamente, imagino que seja uma passeata pela paz.

Não é, claro. A geração hippie do Paz & Amor não mora mais aqui.

É uma passeata pelo suposto preconceito em demitirem um professor preto.

Nos vídeos em redes sociais, os comentários se dividem.

Alguns afirmam que não é aceitável que um professor, seja preto, branco ou amarelo, agrida um aluno.

Outros garantem que é assim mesmo que se educa. Se o moleque não tinha respeito pela autoridade do mestre, agora aprendeu uma lição.

Aposto que você, leitor que talvez nem tenha visto o vídeo, já está matutando uma opinião. Um lado para defender.

Porque agora é assim.

A dinâmica, desses casos de violência (que vão desde uma cena numa sala de aula, até os ataques na Faixa de Gaza) é sempre essa.

No momento, na hora em que a violência ocorre, o que interessa não é tomar partido, ou auxiliar a desescalar a situação.

O que importa é registrar o momento em foto ou vídeo e despejar as imagens nas redes sociais.

E o mais rápido possível, porque é ali, no aplicativo de imagens ou naquela rede que mudou de nome, que a verdade será decidida.

Pouco importa a Justiça e os Tribunais.

Advogados, promotores e juízes se tornaram antiquados e irrelevantes.

Mesmo porque, é impossível para os tribunais oficiais darem conta da quantidade de ocorrências que agora podem ser testemunhadas nos posts.

Além do que, um processo qualquer pode levar décadas para transitar pelas vias burocráticas e antiquadas do Fórum.

Lembra da imagem da Justiça de olhos vendados?

Não é mais só cega. Também não tem acesso à internet e, com tanta gente falando ao mesmo tempo, perdeu seu interesse pelo trabalho, coitada.

E não digam que fomos avisados.

Quando surgiram as redes sociais, prometeram que nós, “internautas”, passaríamos de meros expectadores para ativos megafones de nossas ideias.

Deu no que deu. Um vídeo nas redes sociais como esse do professor dispara a fagulha da opinião popular.

O “sei lá” caiu de moda da mesma maneira que os tribunais.

Ninguém pode se dar ao luxo de não ter uma opinião.

Exatamente como aconteceu na nossa polarização entre “patriotas” e “comunistas”.

Exatamente como ocorre nos ataques à Faixa de Gaza.

Se você não sabe nada sobre o conflito histórico, não é desculpa para não ter opinião.

Basta um vídeo bem dramático para disparar o julgamento social, que sempre tende aos extremos.

Nem a ONU mais tem importância.

No velho oeste chamavam de “terra sem lei” aquelas cidades imortalizadas nos westerns. Era terra sem lei porque não havia tribunais, apenas o pobre xerife, que não tinha recursos para combater as quadrilhas de bandidos que invadiam seus limites.

Ganhava quem sacava mais rápido.

Ganha quem saca mais rápido. O celular

Hoje somos uma Terra, um planeta, sem lei.

A justiça se dá online, decidida pela unanimidade burra e desinformada.

E essa nova ordem não favorece argumentos ou provas.

Quem julga e condena são as curtidas e os comentários.