Comportamento

Florença vai abrir o quarto secreto de Michelangelo

Depois de mais de 500 anos escondido do público, Museu Capelas dos Medici abrirá aos turistas enigmática sala secreta que serviu de esconderijo para Michelangelo durante a Revolta Fiorentina, com desenhos inéditos do gênio do Renascimento

Crédito: Claudio Giovannini

Nas paredes do cômodo foram encontrados estudos de obras clássicas (Crédito: Claudio Giovannini)

Por Alan Rodrigues

A cidade de Florença, capital da Toscana, fundada no ano 59 a.C., é considerada o berço do Renascimento e seguramente uma das mais belas do mundo. Andar pelas ruas, becos e praças de lá é como caminhar sobre uma obra de arte tridimensional. É uma aula de história a cada passo. Estima-se que aproximadamente 40% do acervo artístico da Itália está nos museus e ruas de Florença. Todo esse patrimônio cultural ganhará, a partir do dia 15 de novembro, mais um tesouro renascentista. Tratam-se de esboços em giz e carvão desenhados nas paredes de uma minúscula sala do Museu Capelas dos Medici atribuídos a Michelangelo. Erguido no século XV, o prédio é famoso por abrigar:
a Sacristia Nova,
a Capela dos Príncipes,
um mausoléu da família Médici,
e a Cripta, onde estão sepultados os Grão-Duques e suas famílias.

Vale dizer que os Medici eram uma dinastia que desempenhou um papel importante na história política e cultural de Florença, da Itália e boa parte da Europa na época.

O repartimento secreto, que será aberto ao público pela primeira vez na história, foi descoberto há 45 anos e serviu de esconderijo e abrigo de Michelangelo Buonarroti (1475-1564).

À ocasião, o artista viveu sob ameaça de morte depois de contrariar a poderosa família dos Medici e apoiar a população local na revolta florentina, uma luta pela volta à república em Florença.

Há quem diga que Michelangelo foi um traidor porque foi criado pela família e viveu a adolescência no Palazzo Medici Riccardi, residência dos influentes donos do sobrenome, a 280 metros de onde hoje é o Museu.

Desleal ou não, Michelangelo tinha medo da vingança e, com a ajuda de padres, se isolou na “câmara secreta” por dois meses, em 1530. Nas paredes do refúgio, ele teria imortalizado desenhos incríveis.

“O espaço é muito pequeno e repleto de desenhos nas paredes. É magnífico, emocionante”, revela a empresária brasileira Deyse Oliveira Ribeiro, CEO da empresa “Tour na Itália”. Ela visitou a “sala secreta” ainda em 2017, antes da restauração, e explica que foi convidada pelo governo italiano, junto com alguns jornalistas, a conhecer o espaço para dar a devida divulgação posterior.

Descoberta por acaso

A história da descoberta acidental da sala secreta é digna de roteiro de filme. Em 1978, técnicos de preservação e restauração do edifício, liderados por Paolo Dal Poggetto, então diretor do museu, procuravam um novo percurso para saída do museu que precisava se adaptar às exigências de mobilidade dos turistas.

“Ao movimentar o mobiliário escultórico do museu, os técnicos encontraram um alçapão, escondido debaixo de um armário, perto da Sacristia Nova, que levava a uma escada de pedra e dali a uma sala secreta”, conta a guia brasileira. “Foi então que eles encontraram as paredes todas riscadas de giz e carvão”, conclui.

Os desenhos eram:
• estudos sobre a cabeça de Laocoonte
,
• algumas esculturas da sacristia,
• reinterpretações de David,
• e os traços de um emaranhado de corpos.

Foram encontrados também estudos do teto da Capela Sistina e até um desenho de uma figura curvada e pensativa, que os historiadores acreditam ser uma espécie de auto-retrato do próprio artista em sua condição de “prisioneiro”. “Especialistas passaram meses removendo as camadas de biacca (carbonato à base de chumbo), sobre os desenhos com ferramentas especiais”, conta Deyse.