O ano do pensamento mágico de Haddad

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Marcos Strecker: "A verdadeira astúcia não estava na previsão irreal de arrecadação. Era a fantasia de que Lula e o PT raiz tinham mudado de visão econômica" (Crédito: Divulgação)

Por Marcos Strecker

Não está fácil a vida de Fernando Haddad. Desacreditado no início do governo, o ministro da Fazenda conseguiu a duras penas conquistar a confiança dos agentes econômicos e do Legislativo, virando o nome forte da articulação política. Até pôde comemorar um inesperado crescimento do PIB no segundo trimestre. Mas seu talento ilusionista foi implodido no dia 27 pelo próprio presidente, quando este jogou por terra a possibilidade de o governo zerar o déficit público em 2024. De repente, os truques retóricos do ministro para materializar novas receitas viraram pó, e desmoronou o pilar da política econômica.

Foi, de certa forma, o enterro simbólico do próprio Arcabouço Fiscal, até hoje o maior malabarismo empreendido por Haddad. Essa regra substituiu o teto de gastos prevendo que o equilíbrio fiscal seria atingido com o aumento contínuo da arrecadação, sem necessidade de cortes de gastos (poucos acreditaram, mas esse compromisso bem-intencionado, por assim dizer, trouxe alívio depois de tantas declarações inconsequentes na transição). O próprio chefe do Executivo expôs a mágica. Disse que não ia “sacrificar” investimentos e que falar em controle de despesas é coisa do “mercado ganancioso”.

Isso deixou Haddad só no palco, iluminado pelos holofotes e com a cartola vazia. Em entrevista, dia 30, precisou explicar o inexplicável. Com grande irritação, pareceu indicar que os jornalistas é que estavam iludidos, sem entender nada. Tentou trocar o dito pelo não dito e reafirmou que pretende equilibrar as contas públicas, porém precisa de “apoio político” do Congresso e do Judiciário. Mas e o amparo do seu partido? E do governo? Também disse que Lula apenas mostrou preocupação com a “erosão da base fiscal”. Disse ainda que não há “descompromisso” do mandatário com a meta estabelecida de zerar o déficit. Mas essa dupla negativa não resulta em uma afirmativa.

O duplipensar oficial se reproduziu no Planalto. Alexandre Padilha, ministro das Relações Institucionais, declarou que “há total sintonia” do presidente com a política econômica. Já na Esplanada se diz que Rui Costa, titular da Casa Civil, é o verdadeiro flautista de Hamelin, porque encanta o presidente com a música das obras eleitoreiras do PAC, capazes de multiplicar a popularidade se não forem contingenciadas.

Lula é o verdadeiro mestre. Convenceu todos de que os problemas do País são culpa dos juros altos do presidente do Banco Central. Dessa vez, no entanto, o Houdini de Garanhuns parece ter perdido a mão. Ele fez o papel de James Randi, o falecido mágico que ficou notório por desmascarar paranormais, ocultistas e ufólogos. A verdadeira astúcia não estava na previsão irreal de arrecadação. Era a fantasia de que Lula e o PT raiz tinham mudado de visão econômica.