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“Não fujo da luta”, diz Thereza Collor, em disputa por patrimônio familiar

Thereza Collor assume protagonismo em uma disputa fratricida pelo espólio do pai, o usineiro João Lyra, avaliado em R$ 4 bilhões: acusa a irmã Lourdinha de lesar a família, de adotar má gestão da massa falida de usinas em Alagoas e prejudicar os herdeiros

Crédito: Jardiel Carvalho

Trinta anos depois da guerra dos Collor, Thereza entra numa disputa por dinheiro e poder, desta vez com a irmã mais velha (Crédito: Jardiel Carvalho)

Por Vasconcelo Quadros

Aos 61 anos, a vida da empresária Thereza Collor, a musa do impeachment de Fernando Collor de Mello, tem potencial de um roteiro hollywoodiano. Ela esteve no centro do conflito que terminou na maior tragédia familiar de Alagoas, o longo e doloroso processo de afastamento do ex-presidente, seu ex-cunhado, em 1992, com fissuras na vida política da República, e agora foi empurrada para uma nova guerra como protagonista de um racha no clã dos Lyra, onde os seis irmãos, filhos do ex-senador, ex-deputado e o parlamentar mais rico do Congresso, o usineiro pernambucano João Lyra, se envolveram numa ruidosa briga pela massa falida do Grupo Laginha Agropecuária S/A, em Alagoas, cujo espólio é estimado em cerca de R$ 4 bilhões.

Thereza decidiu abrir um conflito nas entranhas da família, contestando as decisões da irmã mais velha, Maria de Lourdes Lyra, a Lourdinha que, como inventariante da massa falida, em vez de concordar com a venda dos ativos para pagar as dívidas e distribuir a herança, como querem os irmãos, optou por parcerias que Thereza considera equivocadas e suspeitas, além de agir com autoritarismo, sem transparência e com uma série de ações que estariam deteriorando o patrimônio deixado pelo patriarca.

Embora o caso se arraste há quase dez anos, a guerra se acirrou em 2018, quando João Lyra, considerado incapaz, foi interditado por decisão judicial e, três anos depois, em agosto de 2021, aos 90 anos, faleceu vítima de complicações da Covid.

Filha mais velha, Lourdinha foi nomeada inventariante do espólio e, sem prestar contas como exigia a família, passou a tomar decisões que desagradaram a mãe, Solange Queiroz Ramiro da Costa, credora da massa falida em cerca de R$ 2,5 milhões, Thereza e seus irmãos Antônio, Ricardo e Guilherme, este reconhecido como parte no processo depois de insistir através de recursos no judiciário.

Ex-mulher de Pedro Collor, falecido em 1994, o irmão-bomba que provocou o impeachment de Fernando Collor ao denunciar o empresário Paulo Cesar Farias, o PC, caixa de campanha do ex-presidente, como arrecadador de um dos maiores esquemas de propina do País, Thereza acusa a irmã de colocar em risco um patrimônio da família.

Lourdinha Lyra, a irmã mais velha, é acusada por Thereza de provocar prejuízos à família (Crédito:Divulgação)

“Família revoltada”

Em entrevista exclusiva à ISTOÉ, ela afirma que o caso todo é recheado de “procedimentos não usuais e estranhos em processo de falência”, a começar pela falta de transparência imposta pelo estilo autoritário adotado por Lourdinha que, assegura, não permitiu acesso a nada, vetando todas as tentativas dos irmãos de buscar informações sobre a contabilidade.

Os equívocos prosseguem com má gestão e uma série de decisões que, em vez de equacionar as dívidas — sobre as quais a Receita Federal é a maior credora, com R$ 1,5 milhão a receber —, e distribuir as sobras da massa falida aos herdeiros, adotou parcerias que alongam desnecessariamente as pendências financeiras.

“Minha família está muito revoltada com o que está vendo e com o que está acontecendo. Tem muito interesse escuso. Ninguém quer salvar patrimônio ou gerar empregos no estado”, diz Thereza, garantindo que ela e os demais herdeiros estão sendo lesados, mas não recuarão nas batalhas que ainda virão.

“Depois de tudo que passei, pensei em ter paz na maturidade, mas não posso deixar isso passar. Não tenho medo porque acredito na verdade e ainda quero acreditar na Justiça. A gente só quer o que é de direito. Minha vida e a do Pedro (ex-marido) foram reviradas e a gente saiu incólume, sem manchas. O que está acontecendo é uma aberração”.

Depois da morte do marido, Thereza virou empresária, estilista, designer e historiadora. Atualmente trabalha num livro sobre imagens e adornos de etnias africanas cujo tema estuda há anos.

Os irmãos e mãe acusam a filha mais velha do usineiro de se beneficiar de recursos da massa falida e, sem traquejo jurídico ou empresarial, permitir que o patrimônio escorra por parcerias suspeitas tanto na gestão da massa falida quanto na contratação “desnecessária” a peso de ouro de advogados.

O caso envolve como defensor o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão, que foi coordenador jurídico da campanha de Lula em 2022. Thereza alega que ele não teria especialidade em direito tributário, mas foi constituído no processo a pedido do Administrador Judicial para tentar reduzir a dívida do grupo e que estaria cobrando honorários que alcançariam cerca de R$ 200 milhões.

À ISTOÉ, Aragão afirma que “é exagerado” o que se diz em relação aos seus honorários e que ele foi contratado pela Administração Judicial da massa falida “para produzir um trabalho sério, minucioso e que será pago pelo sucesso que obter no abate das dívidas com tributos”.

(Divulgação)

A Usina Guaxuma, situada em Coruripe (AL), avaliada em R$ 1,5 bilhão, com 18 mil hectares de extensão entre cinco municípios, no litoral, a 70 quilômetros de Maceió, dos quais cerca de 8 mil hectares são usados para o plantio de cana de açúcar, é a joia da coroa na disputa travada na justiça alagoana sobre o Grupo Laginha.

Há também ativos de R$ 800 milhões depositados em conta corrente e precatórios recebíveis estimados em mais de R$ 1 bilhão, entre outros bens da massa falida. Thereza vê irregularidades na contratação dos arrendatários dos canaviais da Guaxuma.

Em audiência prevista para novembro, a Justiça vai decidir vários recursos impetrados por Thereza, a mãe e os três irmãos. Eles pedem:
•  a destituição de Lourdinha como inventariante,
• uma devassa nos procedimentos adotados por ela,
• a integração dos demais herdeiros no inventário,
• a repactuação da parceria com o arrendador que explora os canaviais da Guaxuma,
• e uma nova gestão sobre a massa falida, entre outras demandas.

João Lyra morreu há 2 anos, deixando um império formado por usinas de açúcar e álcool, como a Guaxuma, de Coruripe (ao alto) (Crédito:Orlando Brito)

Solange, a ex-mulher de Lyra e mãe de seus filhos, afirmou que, em vez de buscar monetizar os ativos, de forma eficaz, pagando credores, toda a gestão da massa falida procura alternativas para manter em andamento condutas fora dos interesses dos credores, num procedimento que chamou de “falência eterna”.

Tudo isso estaria corroendo o patrimônio que o patriarca formou em mais de meio século. Nos autos do processo sobram acusações e suspeitas. Numa delas, os irmãos alegam que Lourdinha teria omitido o uso de dinheiro do espólio para bancar despesas pessoais com a aquisição de patrimônio paralelo. Como se vê, a guerra dos Lyra está longe de terminar.