Internacional

Israel x Hamas: uma invasão de risco

Israel leva a guerra a uma nova fase com o início da incursão terrestre em Gaza. A dificuldade do país não está apenas em eliminar o grupo terrorista Hamas. A ampliação do drama huma­nitário na região pode espalhar protestos e ampliar o isolamento internacional

Crédito:  Israel Defense Forces

Escavadeiras abrem o caminho a tanques e soldados para evitar que sejam atingidos por minas terrestres (Crédito: Israel Defense Forces)

Por Regina Pitoscia

Ao iniciar à ofensiva por terra com tropas e tanques nas cidades ao norte de Gaza, Israel conduziu a guerra contra o Hamas a um novo patamar. A investida começou no último dia 27, mas as autoridades israelenses evitaram divulgar detalhes da operação, que passou a ser identificada em sua real dimensão pelos analistas apenas nos últimos dias.

Uma das razões foi evitar que os militantes conhecessem a estratégia de ocupação, que aparentava dividir o enclave em dois e cercar a cidade de Gaza, considerada região-chave para o Hamas. O objetivo final é eliminar os militantes do grupo terrorista, seus estoques de armas e munições, e qualquer possibilidade de futuros ataques.

O avanço por terra já era aguardado desde os ataques de 7 de outubro em Israel, que fizeram mais de 1.400 vítimas, mas foi adiado para permitir negociações pela libertação de reféns, e também por pressão dos EUA, que desejavam o avanço dos comboios humanitários aos palestinos através do Egito.

O bloqueio de Gaza, com o corte de água, energia, telecomunicações e controle tráfego na região foram insuficientes para reduzir a capacidade operacional do Hamas. “Estamos nos movendo a partir do solo, detectando os terroristas e atacando pelo ar. Há também um combate direto entre as forças terrestres e os terroristas. Eles estão ocorrendo dentro da Faixa de Gaza”, diz o porta-voz militar israelense, Daniel Hagari.

Embora o resultado tenha sido o de capturar 700 militantes do Hamas e atingir 600 alvos militantes nos primeiros dias, a estratégia é considerada arriscada pelos serviços de inteligência dos EUA e de Israel. O grupo conhece como ninguém a região e seus militantes podem se deslocar pela rede de mais de 360 km de túneis subterrâneos e, mais ainda, pode usar táticas de guerrilha e também atrair soldados israelenses para emboscadas.

É, portanto, um movimento delicado que tende a se arrastar. “Quando lançou panfletos dizendo para esvaziar o norte, Israel já deu indícios de que não entraria por todas as regiões de Gaza ao mesmo tempo, mas que faria isso a conta-gotas”, analisa o professor de Relações Internacionais Vladimir Feijó.

O especialista explica que Israel avança por terra junto com escavadeiras para evitar que soldados e tanques sejam atingidos por minas terrestres. “Quando fazem incursões de tanques, acompanhados pelo pessoal de solo, eles querem identificar saídas de túneis pra explodi-los e não serem surpreendidos adiante.”

Outra dificuldade a ser contornada são os destroços decorrentes de dias seguidos de bombardeios. “As ruas estão ocupadas não só por veículos abandonados e incendiados, mas também por restos de edifícios que dificultam a passagem dos veículos pesados de Israel, tanques e blindados de transportes de soldados, que serão essenciais para capturar ou eliminar operativos do Hamas”, diz Feijó.

Essa presença será igualmente decisiva para uma fase seguinte do conflito, que deve ser a de ocupação e tentativa de construção de novas instituições no norte da Faixa de Gaza.

(Divulgação)

O desafio para Israel não se resume a Gaza, onde vivem 2,3 milhões de palestinos. A intensidade dos bombardeios já provocou protestos na Cisjordânia e atiçou o grupo xiita Hezbollah no sul do Líbano. “A regionalização do conflito já começou de certa forma”, afirma Celso Grisi, da FIA Business School.

Para ele já existe um envolvimento aberto do Irã, dos EUA e da Arábia Saudita, além de Síria e Líbano. “Os EUA já bombardearam a Síria, porque milícias sediadas ali e apoiadas pelo Irã preocupam sob todas as formas, e o Hezbollah no Líbano ameaça um ataque a Israel com armamentos mais sofisticados. O Irã coloca suas forças revolucionárias para a defesa do Hezbollah.”

Em mais de 360 km de túneis subterrâneos, o Hamas pode atrair Israel para armadilhas (Crédito:Divulgação)

Pressão internacional

A evolução do conflito, com o aumento de número de vítimas em Gaza, aumentou a pressão internacional sobre Israel. Além do agravamento da crise humanitária, o temor é que a instabilidade regional adquira proporções globais.

Na economia, o fornecimento de petróleo e gás pode ser seriamente comprometido, especialmente para a Europa, que é dependente dessas fontes de energia para atravessar o inverno. “É um beco sem saída em que nós estamos nos metendo”, avalia Grisi.

Para ele, nenhum dos atores da guerra conta com uma “regra de saída”. Israel já avisou que não desistirá enquanto não libertar seus reféns e liquidar o Hamas, e os EUA dá apoio incondicional aos israelenses. O Irã não tem como dar um passo atrás porque usa causa palestina como bandeira de suas ações no mundo muçulmano.

O Ministério da Saúde do Hamas contabiliza 8.525 mortos, 41% crianças, e mais de 20 mil feridos em 24 dias de guerra. Há 239 reféns israelenses sequestrados.

O Hamas tenta negociar a sua liberação em troca de seus prisioneiros em Israel. Feijó pontua que até o 15° dia de guerra o mundo entendia que Israel tinha o seu direito de defesa ao ataque sofrido pelo Hamas, mas a forma como está conduzindo o conflito, com suspeitas de violação de direitos humanos e de crimes de guerra, desperta mais críticas do que apoio.

A forma como o governo de Benjamin Netanyahu está conduzindo a reação também desperta críticas entre os israelenses, especialmente entre os que questionam a falha monumental do seu governo em prevenir os ataques e os parentes dos reféns que esperam a libertação dos seus amigos e familiares.