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‘Mordido’, Senado ameaça não aprovar projetos do governo; confira

Lula conseguiu aprovar seus principais projetos na Câmara negociando com o Centrão e Arthur Lira. Para evitar reveses no Salão Azul, vai precisar mostrar a mesma disposição com Alcolumbre e outros líderes. A eventual indicação de Flávio Dino ao STF corre risco

Crédito:  Pedro Ladeira

Governo pode sofrer um revés na votação da Reforma Tributária na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, que é controlada por Davi Alcolumbre, um aliado incômodo (Crédito: Pedro Ladeira)

Por Vasconcelo Quadros

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva carrega do sindicalismo a arte da negociação e das alianças: cede um pouco aqui, outro ali, olhando mais para a floresta do que para as árvores. Tem sido assim nesses dez meses, durante os quais tem conversado com os caciques, mas mira o voto dos partidos. Lula atendeu o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e entregou para o Centrão a Caixa quase de porteira fechada, o que, aparentemente, acomodou a insatisfação dos conservadores. O problema agora é o Senado, onde ruralistas, evangélicos e bolsonaristas raiz formam uma bancada coesa de três quintos da Casa, um verdadeiro desafio à capacidade política de Lula.

Na semana passada, ao recusar a indicação do advogado Igor Roque para a Defensoria Pública da União, a direita mostrou os dentes, avisando que eventual indicação do Ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, para o STF pode se transformar num grande fiasco para o governo.

Dino tem um histórico de enfrentamento com o bolsonarismo desde que era governador do Maranhão. Nas vezes em que foi ao Congresso como ministro não fugiu aos embates e, invariavelmente, ridicularizou os bolsonaristas.

Alvo de cerca de 100 requerimentos, chegou a pedir um verbete no livro do Guinness pelas tantas vezes que já foi chamado ao Congresso. Numa delas, ironizou Marcos Do Val (Podemos), que é instrutor das forças especiais americanas e tentou emparedá-lo. “Se o senhor é da Swat, eu sou dos Vingadores”, disse Dino arrancando gargalhadas em audiência na Comissão de Segurança.

O senador Flávio Bolsonaro (PL) estava ao lado de Do Val. Na semana passada deu o troco: “Vai Lula, indica o Flávio Dino ‘pro’ STF. O Senado tá esperando”, um sinal que os líderes governistas sabem que, pelo menos desta vez, não é um blefe.

O senador Jaques Wagner (PT), líder do governo, passou a sondar o ânimo dos adversários e só dará sinal verde ao presidente quando houver garantia de que não haverá mais um revés.

Rodrigo Pacheco na posse de Luís Roberto Barroso na presidência do STF, em 28/8: o antigo parceiro confiável de Lula hoje faz acenos ao bolsonarismo (Crédito: Fátima Meira/Futura Press/Folhapress)

O governo vai esperar a análise da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado sobre duas indicações do ministro da Economia, Fernando Haddad para o Banco CentralPaulo Picchetti, para a Diretoria de Assuntos Internacionais, e Rodrigo Alves Teixeira, Diretoria de Relacionamento, Cidadania e Supervisão – e só depois reavaliará a indicação para a vaga de Rosa Weber no STF.

Na terça, 30, Lula sinalizou a Dino que, caso ele permaneça onde está, terá um ministério com mais musculatura: o presidente devolveu à pasta a prerrogativa sobre demarcação de terras indígenas que, desde o governo anterior, vagava entre os ministérios dos Direitos Humanos e, no atual governo, estava com o Ministério dos Povos Indígenas.

Lula desistiria de desmembrar o MJ para criar um ministério para a segurança, sobre o qual Dino é contra. “Todos sabem qual é minha posição. O Ministério da Justiça foi criado há 201 anos e apenas em um a Secretaria de Segurança funcionou como ministério”. Ele acha que seria um equívoco desmembrar.

Indicação de Flávio Dino

Flávio Dino concentrou as energias no que pode ser considerado o esboço de um plano nacional de segurança pública, área negligenciada por todos os governos civis pós-ditadura militar e que ele decidiu assumir, pondo em ação um programa integrado com 26 estados para combater as milícias e as facções criminosas, mexendo no que é mais sensível a essas organizações, que é a estrutura financeira e seu poder de corrupção de agentes públicos.

Ele precisará do apoio do Congresso, em especial do Senado que, de olho na autonomia dos estados, pode embaçar ou não o plano cuja aceitação não foi unânime.

O único estado que ficou de fora foi São Paulo, governado pelo bolsonarista Tarcísio de Freitas, o que decepcionou Dino, que queria uma aliança perene com todos os estados onde o governo federal, de mero indutor de políticas, se transformasse num parceiro. “Lamentamos muito, mas não temos poder coercitivo sobre as polícias estaduais. Não podemos e não queremos fazer isso. Depende da orientação dos governadores.”

Outro grande dilema do governo está na falta de entendimento com a bancada ruralista que, sem chances de recuo, marcou para o próximo dia 9 a sessão conjunta do Congresso para votar os vetos do presidente ao PL do marco temporal, que devem ser derrubados.

Na segunda, 19, o ministro Alexandre Padilha, da Secretaria de Relações Institucionais, e o senador Randolfe Rodrigues, líder do governo no Congresso, tentaram negociar uma alternativa aos vetos ou adiar a sessão num encontro com a senadora Tereza Cristina (PP-MS) e o líder da poderosa Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), deputado Pedro Lupion (PP), mas acabaram recebendo uma ducha de água fria.

Lupion sustenta que os ruralistas têm mais votos que o necessário nas duas casas e ainda tripudiou, afirmando que o governo deveria ter buscado a negociação antes da aprovação da lei, do veto e da decisão do STF que considerou o PL inconstitucional. “Seria uma discussão preparatória para todos esses momentos.”

A derrota do governo acabará levando o caso para o STF, que deve manter o entendimento anterior. A bancada ruralista já anunciou que responderá com chumbo grosso: aprovará uma PEC pondo fim à contenda, limitando as homologações de terras indígenas à data de promulgação da Constituição.

O ruim para o governo é que há riscos de o impasse contaminar as discussões sobre a Reforma Tributária, cujo relatório será votado no dia 7 na CCJ, controlada pelo senador Davi Alcolumbre, um aliado incômodo.

Alcolumbre age em parceria com o presidente Rodrigo Pacheco, que já foi um parceiro mais confiável de Lula e hoje faz acenos aos bolsonarismo.

Na Câmara, Lula conseguiu aprovar seus principais projetos negociando com as legendas do Centrão e entregando cargos para Arthur Lira. Agora, se quiser evitar reveses no Senado, vai precisar mostrar a mesma disposição de negociação com Alcolumbre e outros líderes.