Cultura

O vitorioso enredo de uma vida

Documentário sobre Nelson Pereira dos Santos, autor de Rio, 40 Graus, narra a trajetória de um dos maiores cineastas da história do País e idealizador do Cinema Novo

Crédito: Christophe Simon

Nelson Pereira dos Santos: primeiro diretor a ingressar na Academia Brasileira de Letras,ficou marcado por obras como Vidas Secas e Memórias do Cárcere (abaixo), ambas premiadas no Festival de Cannes, na França (Crédito: Christophe Simon)

Por Felipe Machado

Ao longo de seis décadas, a obra de Nelson Pereira dos Santos projetou a imagem do Brasil para o mundo. Idealizador do Cinema Novo e condecorado na França, ele foi mais que um realizador: tornou-se um pensador do País. O documentário Vida de Cinema, que acaba de chegar às telas após exibição na Mostra Internacional de São Paulo, é narrado em primeira pessoa e tem direção de Aída Marques e Ivelise Ferreira, viúva de Nelson. Entre entrevistas e cenas de filmes, as criadoras selecionaram material entre mais de 80 horas de gravações. O projeto foi selecionado e exibido na última edição do Festival de Cannes, dentro da mostra de clássicos. “A decisão de inscrevê-lo em Cannes não foi à toa. As obras de Nelson sempre foram muito bem recebidas no festival, e dois longas dele foram premiados: Vidas Secas, em 1964, e Memórias do Cárcere, em 1984.”

Archives du 7eme Art / Photo12 via AF

Nascido em 1928 no bairro do Brás, em São Paulo, o diretor morreu em 2018. Ivelise conta que, durante a pesquisa, encontrou Nelson de “várias idades”. “Descobrimos preciosidades, como imagens inéditas do início dos anos 60, ainda jovem. Também partes do making of de Juventude, sua primeira experiência cinematográfica”, conta ela. “Os trechos inéditos das gravações de Radamés Gnattali com Tom Jobim, realizadas para o programa da TV Manchete com o mesmo título que originou o celebrado A Música Segundo Tom Jobim são outro achado valioso”, completa Aída.A exibição desse longa, em 2012, foi a participação derradeira do diretor no festival francês. Vidas Secas, a estreia em Cannes, é  considerada até hoje a sua obra-prima. Baseada no livro de Graciliano Ramos, mostra o dia a dia sofrido de uma família no sertão do Nordeste nos anos 1940 — o filme fez correr o mundo a imagem esquálida da cachorra Baleia.

Colecionador de homenagens, Nelson Pereira dos Santos foi o primeiro cineasta eleito para a Academia Brasileira de Letras, em 2006, e o criador do primeiro curso de cinema do País, na Universidade de Brasília, em 1968. Seu primeiro trabalho, Rio, 40 Graus, foi censurado pelo regime militar pela forma como mostrava a desiguldade social na cidade. A justificativa oficial, porém, era que a sensação térmica nunca teria atingido tal temperatura — desculpa que nunca poderia usada hoje em dia, uma vez que o calor real já superou em muito a ficção.