Cultura

Che Guevara: afinal, idealista ou assassino?

Biografia de Che Guevara revela como um depoimento de um general aposentado ajudou a localizar o corpo do guerrilheiro argentino executado na Bolívia três décadas após a sua morte

Crédito: AFP

Rebelde: missões a América do Sul e África para ensinar técnicas a guerrilheiros (Crédito: AFP)

Por Felipe Machado

Líderes carismáticos moldam os destinos de nações e inspiram gerações desde os primórdios da história. Poucos, no entanto, se tornaram tão icônicos como o argentino Che Guevara, que virou o arquétipo do revolucionário latino-americano do século 20. Seu rosto, encarando um horizonte indeterminado, de boina preta e broche de estrela, foi eternizado na lendária foto de Alberto Korda e passou, desde então, a estampar camisetas, pôsteres e uma ampla gama de produtos mundo afora.

É uma imagem tão popular como o logotipo da Coca-Cola ou a figura de Mickey Mouse.

Muito além dessa idolatria visual, no entanto, existiu um ser humano. Quem foi esse homem? Um intelectual bem-nascido, com diploma de médico, que abriu mão de tudo para lutar e morrer por um ideal em um país estrangeiro? Ou um guerrilheiro assassino e voluntarioso, cuja crueldade era falsamente legitimada por uma suposta justiça social universal?

São questões que o jornalista Jon Lee Anderson tenta responder na grande reportagem Che Guevara: Uma Biografia, obra definitiva publicada no País em uma edição revista e atualizada pelo autor.

Obcecado pela história de Ernesto “Che” Guevara desde os anos de estudante, em 1992 Anderson se mudou para Havana, em Cuba, com a mulher e três filhos pequenos, para uma temporada que durou três anos. Lá teve o apoio da viúva Aleida March, que lhe concedeu acesso aos diários de Che, muitos deles inéditos.

Viajou ainda para a Argentina, onde encontrou amigos de infância do revolucionário que o ajudaram a compreender como o menino de Rosário, Argentina, virou lenda.

Che Guevara com Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre (de preto): personagem midiático (Crédito:Divulgação)

A juventude de Che é conhecida e chegou a inspirar filmes como Diários de Motocicleta, do brasileiro Walter Salles. Ainda estudante de medicina, saiu pelas estradas da América Latina, do Brasil até o Peru. Ao ver de perto a miséria do continente, teria se radicalizado contra os governos de plantão — muitos deles apoiados pelos EUA, contexto que, mais tarde, dividiria o mundo em dois blocos e se tornaria conhecido como Guerra Fria.

Um aventureiro

Determinado a se dedicar a uma causa política nas Américas, escolheu participar do movimento esquerdista na Guatemala. Ao chegar ao país, conheceu um grupo de cubanos que haviam lutado contra a ditadura de Fulgêncio Batista, entre eles Nico López.

Eram celebridades locais por terem participado do levante armado, embora tivessem fracassado. López, porém, garantiu a Guevara que, em pouco tempo, estariam de volta a Cuba sob liderança de Fidel Castro, para tentar depor Batista mais uma vez. O discurso seduziu o jovem. Foi López, aliás, quem lhe deu o apelido de “Che”, expressão em guarani que os argentinos usam como se dissessem “ei, você”.

Em 1955, Che e os cubanos foram para a Cidade do México, onde se reuniram com Fidel para planejar a invasão. No ano seguinte, o navio Granma desembarcava na Playa las Coloradas, dando início à revolução cubana que ainda levaria três anos para alcançar a vitória.

Em 5 de março de 1960, em um funeral para correligionários em Havana, Che foi fotografado por Korda discursando em um palanque, gerando a famosa imagem que ganhou o mundo.

No mesmo ano, publicou A Guerra de Guerrilha, manual com técnicas de combate que podiam ser reproduzidas em conflitos semelhantes — com a Guerra Fria, muitos deles começavam a se espalhar. A ideia de promover a revolução em outros países o levou à Europa e à África, onde ajudou rebeldes contra os governos vigentes.

Após regressar a Cuba, viajou à Bolívia para acompanhar a guerrilha local — foi executado após sofrer uma emboscada, em 9 de outubro de 1967. Seu corpo foi enterrado em uma vala comum, sem localização.

Passaporte falsificado: identidade clandestina (Crédito:Divulgação)

É aí que entra a importância histórica de Jon Lee Anderson. Antes de escrever essa biografia, em 1997, ele publicou na New Yorker uma entrevista com o general aposentado Mario Vargas Salinas.

O militar boliviano revelava, pela primeira vez, o destino do corpo de Che: uma pista de pouso em Vallegrande. A matéria provocou um efeito bombástico na Bolívia, e o presidente Gonzalo Sanches de Lozada determinou a exumação e identificação dos corpos.

Trinta anos após sua morte, Che foi finalmente levado a Cuba e enterrado em um mausoléu em Santa Clara, onde um memorial foi construído para homenageá-lo.