Tudo pode piorar

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Ricardo Kertzman: "O argumento (“sustar decisões inconstitucionais”) não poderia ser mais energúmeno, já que os deputados pretendem, então, decidir o que é, ou não, inconstitucional" (Crédito: Divulgação)

Por Ricardo Kertzman

Minha mãe costumava dizer: “Quanto mais eu rezo, mais assombração me aparece”. Pois é.

O Brasil mal deixou a tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro para trás, e lá vem outra modalidade golpista atormentar a já atormentada e jovem democracia nacional.

Uma máxima recente ensina que ditadura, para ser implementada, não necessita mais de fuzis, tanques e soldados. E é verdade. Regimes autocráticos mundo afora, análogos em gênero, número e grau às tiranias de outrora, são constituídos agora por canetas e leis.

Israel experimenta, já há alguns meses, o (talvez) pior momento de sua história. Políticos pouco afeitos à pluralidade, liberdade e garantias às minorias – além de lenientes com a corrupção de amigos – tentam, por meio de uma lei, emplacar uma verdadeira ditadura parlamentar.

Liderados pelo primeiro-ministro enroscado com a Justiça, partidários de Benjamin Netanyahu pretendem conceder-se o direito de revisar as decisões da Suprema Corte. Por lá, a ausência de um congresso bicameral e uma Constituição podem servir, ainda que frágil, de argumento golpista.

No Brasil, por iniciativa de dois deputados federais, Domingos Sávio (PL-MG) e Pedro Lupion (PP-PR), tramita na Câmara uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que pretende possibilitar, pelo Congresso, a revisão de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF).

O argumento (“sustar decisões inconstitucionais”) não poderia ser mais energúmeno, já que os deputados pretendem, então, decidir o que é, ou não, inconstitucional.

Minha mãe dizia: “Quanto mais eu rezo, mais assombração me aparece”. O País mal deixou a tentativa de golpe do 8 de Janeiro, e lá vem outra modalidade golpista

A mim me parece, muito mais que uma estultice política, uma clara tentativa de golpe parlamentar.

Caso prospere a estrovenga, eu pergunto: alegada sua inconstitucionalidade – o que é patente – ao STF, e este assim decidisse, tornando sem efeito a aventura autocrática, teria o Congresso o poder autoconcedido, para derrubar a decisão do Supremo?

Se afirmativo, pergunto também: e aí?

Sim, porque entraríamos em um looping interminável, com a Suprema Corte tornando inconstitucional uma ação do Legislativo, que, ato contínuo, derrubaria a decisão do Judiciário, e assim por diante. Já imagino, aqui, a turba assanhada pedindo, então, a aplicação do tal Artigo 142. Ai, ai…

Entendem agora, caros leitores, o título desta coluna? Em Banânia, não há nada tão ruim que não possa piorar. Principalmente tendo Domingos Sávio e companhia, ideias e canetas nas mãos. Bons tempos em que Eduardo Bolsonaro pensava em recorrer a um cabo e um soldado.