Comportamento

A batalha dos aeroportos do Rio: eficiência condenada

Com interesses políticos e técnicos em jogo, governo quer transferir o protagonismo ao aeroporto Tom Jobim, causando revolta nos passageiros e empresas aéreas, que preferem a localização e a segurança do Santos Dumont

Crédito: Márcia Foletto

Movimento no Aeroporto Santos Dumont na véspera da transferência de voos para o Aeroporto Tom Jobim (Crédito: Márcia Foletto)

Por Mirela Luiz

Nos últimos anos, o Brasil testemunhou um crescimento significativo na demanda pelos serviços aeroportuários. O Santos Dumont é um exemplo de sucesso de aeroporto urbano, com shopping center, serviços eficientes, localização privilegiada e fácil acesso à cidade. Por esse motivo, tem tomado grande repercussão a limitação e transferência de fluxo que o governo federal está impondo para atender aos interesses dos governos estadual e municipal, que desejam fortalecer o Aeroporto Tom Jobim (Galeão) como hub nacional, visando a recuperar o protagonismo político e econômico do Rio de Janeiro.

Essa decisão impacta negativamente a Infraero (Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária), que além de deixar a administração de Congonhas, em São Paulo, também está perdendo receita com a intervenção federal, e, principalmente, os usuários, que deixam de usufruir serviço de qualidade.

Anteriormente responsável pela administração de 66 terminais, a Infraero foi gradualmente reduzida à medida em que o processo de concessão dos aeroportos no País avançou. Após o leilão de Congonhas, em São Paulo, e de outros 14 aeroportos para a iniciativa privada, a estatal passou a gerir apenas um aeroporto de sua antiga rede: o Santos Dumont, que agora enfrenta restrições impostas para estimular a transferência de operações para o Galeão.

A Infraero estima uma perda de R$ 125 milhões por ano devido à redução de cerca de dois milhões de passageiros no movimento do aeroporto central do Rio. Essa estimativa considera apenas as receitas tarifárias, como taxas de embarque pagas pelos passageiros e operacionais bancadas pelas companhias aéreas, excluindo as receitas comerciais, como aluguéis de lojas e publicidade.

O Tribunal de Contas da União (TCU) projeta uma perda ainda maior para a estatal, estimando um impacto de R$ 400 milhões anuais apenas em receitas tarifárias. Isso ocorre porque as restrições devem reduzir o número médio anual de passageiros de 12 milhões para 7 milhões. “Essa redução nos voos terá um impacto direto no faturamento da Infraero, que enfrentará dificuldades financeiras nesse cenário de mudança”, avalia o advogado Luiz Philipe Ferreira de Oliveira.

As restrições no Santos Dumont geraram descontentamento tanto entre as companhias aéreas quanto entre os operadores aeroportuários. Limitar o fluxo de passageiros a sete milhões por ano faria com que o terminal voltasse aos níveis de movimento registrados em 2020 e 2021, quando havia impactos da pandemia de Covid-19.

Enquanto isso, o Galeão, distante do centro da cidade, com transporte ineficiente, falta de segurança e serviços precários, foi beneficiado com o aumento do número de voos de várias companhias aéreas, transferidas do Santos Dumont.

O piloto de linha aérea Alex Ferreira Lima reforça a insatisfação geral com as restrições. “Por que os voos entre Brasília e Rio continuam no Santos Dumont? Por causa dos políticos, claro! Que têm acesso privilegiado ao aeroporto, enquanto cortes de voos foram feitos para várias outras cidades”, destaca.

Adaptação

Claudio Frischtak, especialista em logística e sócio da Inter.B Consultoria, ressalta que a nova proposta do governo de implementar no Santos Dumont restrição do número de voos em vez de distância é um avanço.

“A solução preliminar de limitar a quilometragem não é uma boa opção, porque primeiro do ponto de vista legal pode surgir uma insegurança jurídica, ela não se sustenta”, explica.

Ele ressalta que essa medida traz limitação artificial e gera muitas dificuldades para as empresas reorganizarem suas malhas. Ele entende que a opção de limitar o número de voos ou de passageiros é a solução mais viável e que garantirá o equilíbrio futuro da demanda de ambos os destinos.

“A opção recentemente apresentada é a melhor saída porque o Galeão está sendo subutilizado de forma dramática, e o Santos Dumont, sobrecarregado”, pondera. Com isso, o terminal carioca poderia manter os atuais destinos atendidos, inclusive com ligações para terminais internacionais, mas com menos voos.

Com a nova alternativa, o governo deverá revogar uma resolução do Conselho de Aviação Civil (Conac), que limitou os voos do Santos Dumont a destinos a uma distância de 400 quilômetros e para aeroportos apenas com voos domésticos.

Para os clientes insatisfeitos com a mudança, de acordo com o advogado Luiz Philipe Ferreira, é possível obter reembolso.

“Os consumidores que tiveram seus voos transferidos têm direito a receber o dinheiro de volta ou ter o transporte garantido pela empresa aérea.”
Luiz Philipe Ferreira, advogado

Ineficiência premiada

O aeroporto do Galeão, projetado para ser o principal do Rio de Janeiro, no decorrer dos anos foi perdendo o protagonismo. Falta de acessibilidade, violência constante, insegurança, localização desprivilegiada e infraestrutura mal administrada fizeram com que o Santos Dumont conquistasse a predileção dos usuários tanto locais quanto visitantes.

A retomada do Galeão como hub nacional tem como pano de fundo motivações políticas e técnicas. A ideia é fortalecer o aeroporto primário em relação ao secundário, atraindo rotas internacionais e integrando-as com as nacionais, além de impulsionar o turismo no País.

Para solucionar essa questão, o advogado Luiz Philipe Ferreira destaca a importância de investimentos por parte da prefeitura e do estado do Rio de Janeiro na segurança e acessibilidade do Galeão.

“Um aeroporto internacional bem estruturado pode trazer recursos e turistas, impulsionando a economia local e oferecendo mais opções para as companhias aéreas, além de ser benéfico para o País como um todo”, afirma.

Movimentação no embarque e desembarque no primeiro dia útil do início das transferências dos voos do Santos Dumont para o Galeão (Crédito:Márcia Foletto)