Brasil

Fundo eleitoral: líderes do Congresso se unem para ‘nadar’ em R$ 6 bi

Congresso deixa de lado divergências ideológicas e trabalha unido por fundo eleitoral de R$ 6 bilhões para 2024, valor indecente. Abastecido com dinheiro público, o fundão financia campanhas políticas e é administrado pelos líderes partidários

Crédito:  Pedro Ladeira

Independentemente da coloração partidária, parlamentares trabalham unidos por um aumento substancial do chamado fundão (Crédito: Pedro Ladeira)

Por Gabriela Rölke

Enquanto 20 milhões de brasileiros vivem na extrema pobreza, líderes do Congresso e dirigentes partidários em Brasília estão com as atenções voltadas para questões bem mais prosaicas: seu próprio futuro político. A despeito de eventuais divergências ideológicas, uniram-se nas articulações para inflar o valor do fundo partidário para exorbitantes R$ 6 bilhões para as eleições de 2024 – um escandaloso aumento de 22% em relação aos R$ 4,9 bilhões destinados aos partidos em 2022 para financiar candidaturas aos cargos de presidente da República, senador e deputado federal, distrital e estadual.

Criado pela minirreforma eleitoral de 2017, o fundo partidário, também conhecido como fundão, é constituído por dinheiro público e é destinado ao financiamento de campanhas eleitorais. Em 2018, primeiro ano de vigência da medida, os partidos receberam R$ 1,7 bilhão. Para 2024, o governo propõe, no Orçamento, um fundo de R$ 939 milhões – sabe que o valor é irrisório comparado aos anos anteriores, mas deixa para o Congresso o desgaste de aumentar esse montante e chegar aos almejados R$ 6 bilhões.

“O cidadão deve exercer pressão sobre os parlamentares, são eles que votam o aumento.”
Rodrigo Prando, cientista político do Mackenzie

A distribuição do fundo eleitoral entre os partidos leva em conta o tamanho das bancadas na Câmara e no Senado na última eleição geral.

Se em 2022 os maiores beneficiários foram o União Brasil (com R$ 776 milhões), o PT (com R$ 499 milhões) e o MDB (com R$ 360 milhões), para 2024 a maior fatia do fundo será destinada ao PL de Valdemar Costa Neto, que, na onda do bolsonarismo, conseguiu conquistar 99 cadeiras na Câmara.

A segunda maior bancada é a do PT, com 68 deputados. Em seguida vem o União Brasil, com 59.

Animado com o resultado da última eleição, e com o ex-presidente Jair Bolsonaro como principal cabo eleitoral do partido, Costa Neto está apostando nas eleições municipais do ano que vem para tentar eleger 1,5 mil prefeitos pelo PL, e assim garantir palanques para as eleições de 2026 – com foco no Parlamento, claro.

Valdemar Costa Neto (PL-SP), dono da maior bancada na Câmara, terá grande parte do fundo eleitoral de R$ 6 bilhões (Crédito:Marcello Casal Jr Agência Brasil)

Custo da democracia

Para o cientista político do Mackenzie, Rodrigo Prando, a destinação de recursos públicos para financiar as campanhas não é, em si, um problema. “Sempre defendo que a democracia tem um custo”, diz. “As instituições devem funcionar, e isso é custeado pelos impostos”.

Ele também destaca que o financiamento público de campanha impede que o processo eleitoral seja monopolizado por quem tem mais dinheiro.“Tem que haver financiamento público. Sem ele, o processo eleitoral seria monopólio dos ricos, seja por meio de doações a terceiros, seja se autofinanciando”.

O problema, diz o especialista, é o aumento substancial defendido pelos líderes partidários no Parlamento. “O valor pretendido, de R$ 6 bilhões, é exorbitante. Aliás, os R$ 4,9 bilhões das eleições de 2022 já foram escandalosos”.

Como antídoto, sugere pressão popular sobre o Congresso. “O cidadão deve exercer pressão sobre os parlamentares, são eles que votam o aumento no valor do fundo que será destinado aos próprios partidos”, pontua. “Aliás, é como se a gente pudesse decidir o valor do próprio salário”.

O especialista explica ainda que não há estudos sobre quanto custa uma campanha, mas acredita que, numa sociedade hiperconectada pelas redes sociais, é possível baratear esse valor.

O fundo partidário nos atuais moldes foi instituído depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu doações de empresas para campanhas eleitorais. A proibição se deu em um ambiente político marcado por escândalos de corrupção envolvendo especialmente empreiteiras.

Atualmente, os candidatos podem ser financiados por pessoas físicas, no limite de 10% dos próprios rendimentos no ano anterior, e pelo fundo público.

Relator do voto vencedor na Corte, o ministro Luiz Fux sustentou que a doação feita por pessoas jurídicas, até então em vigor, “denota um agir estratégico desses grandes doadores, no afã de estreitar suas relações com o poder público, em pactos, muitas vezes, desprovidos de espírito republicano”. Também desprovida de espírito republicano é a ofensiva do Congresso rumo ao indecente fundo de R$ 6 bilhões.

FUNDO ELEITORAL
Foi criado em 2017, depois que o STF proibiu o financiamento de campanhas eleitorais por empresas. Agora, os partidos são bancados com dinheiro público. E o montante aumenta a cada eleição

2018 R$ 1,7 bilhão
Esse era o tamanho do fundo eleitoral em seu primeiro ano de vigência

2020 R$$ 2 bilhões
Deputados e senadores garantem R$ 300 milhões a mais para partidos

2022 R$ 4,9 bilhões
Congresso mais do que dobra o valor do repasse para campanhas

2024 até R$ 6 bilhões
Parlamentares e líderes partidários trabalham por fundo recorde