Brasil

A exposição na Caixa que estremeceu o governo

Exposição disparatada com imagem de Lira em lata de lixo num espaço cultural do banco estatal acelera a queda da presidente da Caixa e fortalece presença do Centrão no governo: o novo presidente da instituição foi indicado pelo homem forte da Câmara

Crédito: Divulgação

A imagem de Lira (abaixo) em uma lata de lixo, ao lado de Guedes e Damares, irritou o presidente da Câmara, que pediu a cabeça da presidente da Caixa a Lula. A artista plástica Marília Scarabello (acima), sentada ao pé de sua polêmica obra, precipitou a queda da dirigente do banco (Crédito: Divulgação)

Por Vasconcelo Quadros

O que deveria ser uma exposição cultural para estimular a reflexão sobre os 200 anos da Independência se transformou num tiro no pé e numa grande estupidez da gestão da então presidente da Caixa Econômica Federal, Rita Serrano, que contava com a proteção da cúpula petista para se sustentar no cargo. Pressionado pelo Centrão, que não gostou de ver a imagem do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), apertado dentro de uma lata de lixo em fotomontagem ao lado do ex-ministro da Economia Paulo Guedes e da senadora Damares Alves (Republicanos-DF), numa exposição na Caixa Cultural, em Brasília, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva demitiu a dirigente do banco estatal na quarta-feira, 25, antecipando uma mudança que Lira exigia que o presidente petista fizesse já há algum tempo: nomear um correligionário seu como novo presidente da instituição e, para isso, retardava a votação de projetos importantes do governo no Legislativo.

No lugar de Serrano, Lula nomeou na própria quarta-feira o ex-diretor do fundo de pensão do banco (Funcef), Carlos Antônio Vieira Fernandes, e ainda negocia com o padrinho da indicação, o próprio Lira, cinco diretorias do banco que o governo resiste em barganhar, mas que devem ser ocupadas por nomes ligados a partidos do Centrão, especialmente PP, na busca de maioria de votos para a aprovação dos projetos do governo no Congresso. Lira prometeu a Lula essa maioria nas votações que estavam represadas na Câmara.

O presidente da Câmara não deu declarações para comentar sua vitória, mas deixou claro nos bastidores que ficou profundamente revoltado ao ver sua imagem na lata do lixo e irritado também ao ver uma gravura retratada na mesma obra de arte classificada por ele de mau gosto, associando Jair Bolsonaro ao que há de mais bizarro no bolsonarismo.

Lira lembra que fez campanha para o ex-presidente, embora hoje esteja distante dele, mas discorda desse tipo de agressão. É que uma das centenas de imagens coletadas nas redes sociais pela artista plástica Marília Scarabello, de Jundiaí, no interior de São Paulo, mostra um homem parecido com Bolsonaro agachado, manipulando um celular, e, ao mesmo tempo, defecando na bandeira brasileira.

Em outras figuras, com fisionomia desfigurada pelo traço do desenhista, o ex-presidente é chamado de “monstronaro”, e é retratado como um cachorro que veste a camisa verde-amarela, com o número 22 do PL estilizado com o símbolo SS do nazismo.

Há também a figura de um Fora Bolsonaro, com imagens do PT e de uma foto da chapa Lula-Alckmin, na qual a bandeira brasileira aparece com os símbolos trocados por lemas críticos ao governo anterior.

A exposição chama-se O Grito e estava exposta em Brasília e em outras seis capitais, reunindo aleatoriamente em painéis uma colagem de figurinhas de bandeiras alteradas por pessoas comuns e publicadas nas redes sociais. Bancada pela Caixa ao custo de R$ 250 mil, dos quais apenas uma parcela de R$ 75 mil havia sido paga.

(Divulgação)

Assim que a exposição ganhou o noticiário através de reportagem publicada pelo site Poder360, a Caixa cancelou o contrato e suspendeu a mostra. Mas não conseguiu evitar o desastre político.

Afinal, a obra havia sido exposta entre os dias 17 e 22 e seu conteúdo, antes de ganhar os espaços culturais do banco, foi avaliado e chancelado por órgãos técnicos do governo federal indicados pela Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência da República) e pelo Ministério da Cultura, o que fortaleceu a interpretação do Centrão de que se tratou de um ataque do PT aos partidos que Lula cativava.

Foi, também, uma falha na comunicação do governo. Pragmático, em vez de se colocar como vítima, Lira passou a repetir nos bastidores que bem antes de Lula se submeter às cirurgias que o afastaram do dia a dia da política havia entregue a ele o nome de Carlos Antônio Vieira Fernandes para substituir Serrano, que ainda tentou contornar a crise cancelando a exposição com a observação tardia de que a obra tinha “viés político”.

A troca de comando no banco estanca insatisfações num Congresso que flerta com a crise institucional, impondo decisões que questionam o poder do Supremo Tribunal Federal, como o PL do marco temporal cujo veto parcial do governo deve ser derrubado. O governo teme ser arrastado para um conflito patrocinado pela bancada ruralista e pelas alas radicais do bolsonarismo.

Pressionado pelo Centrão, Lula nomeou Carlos Antônio Vieira Fernandes, amigo de Lira, para o lugar de Rita Serrano, que balançava no cargo há meses
(Aloisio Mauricio/Fotoarena)

Câmara destrava votação

Tanto assim que, horas depois de ganhar a direção da Caixa como presente de Lula, Lira colocou em votação dois projetos cruciais para o plano fiscal de Haddad prosperar.

A Câmara aprovou em tempo recorde as propostas de taxação de offshores e dos fundos de super-ricos, com o apoio decisivo do Centrão.

Engana-se, porém, quem pensa que a troca da presidente da Caixa saciou a sede de mando do grupo do presidente da Câmara dentro do governo petista. Ele ainda quer a nomeação do presidente da Funasa e de outros cargos públicos, e mais poder sobre as emendas para a distribuição de recursos da União para municípios onde o Centrão espera eleger prefeitos no ano que vem.

Um dia depois de Lira abocanhar a direção da Caixa, a “Folha” denunciou que o filho do deputado, o publicitário Arthur Lira Filho, 23, está envolvido em contratos milionários para produção e distribuição de verbas publicitárias do banco.

O filho do presidente da Câmara é sócio da Omnia 360, empresa que negocia verbas de publicidade da Caixa, representando empresas como a OPL Digital e a RZK Digital, que atuaram na publicidade do banco em 2022 e 2023. A Caixa não divulga valores dos contratos, mas em 2022 o banco gastou R$ 305 milhões com a produção de suas peças publicitárias.