A opinião que vale é a minha

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Mentor Neto: "A eleição de Lula provou que a polarização nunca vai embora. Assim como não vai mudar em Israel ou Palestina se um dia o conflito acabar" (Crédito: Divulgação)

Por Mentor Neto

Assistir à guerra entre Israel e o Hamas pelas redes sociais faz a gente entender como o mundo vai acabar.

E não vai ser por mísseis, vai ser por burrice mesmo.

Seremos dizimados por nossa própria culpa e erro mesmo, não serão necessários bombas atômicas, vírus ou asteróides.

Para entender, precisamos voltar atrás alguns anos, para o início da Internet, que sou velho o suficiente para ter testemunhado.

Quando a rede surgiu, ninguém foi contra. Todo mundo reconheceu que aquela era uma das maiores revoluções do mundo.

Quem diria que os 6 bilhões e poucos de humanos um dia estariam conectados o tempo todo?

Ali por meados dos anos 1990, com a popularização da Internet, ainda não existiam haters, não havia cancelamento, nem polarização.

Na nossa ingenuidade, imaginávamos que o mundo era um enorme oceano de gente, cada um navegando com suas próprias crenças e opiniões.

Foi assim que boiamos online durante alguns anos.

Então vieram as redes sociais. O MySpace, o Orkut e o Facebook.

Coisa mais linda, pensamos, ingênuos. Agora a Internet não seria mais um lugar para entrar no Netscape atrás de conteúdo feito por alguém nos Estados Unidos ou Singapura.

Nada disso.

Agora cada um de nós teria voz e poderia expor, feliz da vida, a sua opinião.

Funcionou bem durante um tempo.

Marqueteiros inventaram até a expressão cauda longa para explicar que, nas redes sociais, as pessoas poderiam se agrupar em interesses muito mais específicos.

O mundo deixava de ser um monte de gente que gostava do Michael Jackson para uma infinidade de comunidades virtuais, até aquelas dedicadas a uma banda de rock praticamente desconhecida da Noruega. Que admirável mundo novo e democrático esse que surgiu na tela de cada computador.

Nós, ingênuos, éramos otimistas em relação ao que o futuro preparava.

Mas, aos poucos, uma nova ética foi construída. Começamos a valorizar, muito lentamente, as comunidades que tinham mais “seguidores”.

A unanimidade não era mais burra.

Quanto mais seguidores a pessoa ou o grupo tiver, melhor. Mal percebemos quando inventaram os botões de polegar ou coração. Agora era chic ter muitas curtidas e seguidores.

Aí degringolou, ainda sem percebermos.

As redes começaram a ganhar uma imensidão de dinheiro, apoiadas nessa nossa vaidade recém adquirida, vendendo anúncios para interesses cada vez mais específicos. Agora custava pouco anunciar para uma demografia específica. A cauda longalização da propaganda.

Nós, ingênuos, não percebemos nada.

A evolução continuou, com outras redes surgindo e, para se sustentarem, afinaram cada vez mais seus algoritmos, mostrando nossos posts para quem se identificava com nossos interesses, fortalecendo ainda mais as comunidades com bias específicos.

A essa altura já estávamos vorazmente dependentes de curtidas e seguidores. Todo mundo precisava ter opinião sobre tudo, sobre pena de se transformar num pária digital, o terror moderno.

De volta à guerra entre Israel e Hamas, tudo isso explica, como as redes estão repletas, nos últimos dias, de especialistas em mísseis e historiadores.

Troca-se curtidas por opiniões disfarçadas de verdades.

Como o joinha vai acabar com o planeta

Cria-se, novamente, a mesma polarização que transformou a nossa política em terra arrasada na última década.

E a eleição de Lula provou que a polarização nunca vai embora.

Assim como não vai mudar em Israel ou Palestina se um dia o conflito acabar.

Desinformados, cada um escolhe seu lado. A diferença é que, enquanto discutimos por um joinha, agora são crianças que morrem do outro lado do mundo.

O futuro é sombrio porque cada vez mais assuntos vão nos separar.

Até, finalmente, a cauda longalização nos destruir.