Comportamento

Conheça a “moda rasteira”, tendência antiestablishment e pró-conforto

Chinelos da Chanel, sapatilha masculina nas ruas, passarela sem salto como forma de protesto: calçados baixos invadiram o street style e eventos internacionais, provando que conforto e liberdade estão acima de qualquer código

Crédito: Divulgação

Calçada da fama: atriz Sophie Turner é entusiasta das peças rentes ao solo, como as sapatilhas (Crédito: Divulgação)

Por Ana Mosquera

RESUMO

• Sapato sem salto ou rente ao chão é a nova tendência na moda, entre mulheres e homens
• Movimento é impulsionado por protestos contra o dress code tradicional e pelo conforto
• Estilistas e celebridades já desfilam sandálias, sapatilhas, tênis e mocassim

A luta pelo direito de se vestir livremente extrapola preconceitos e escolhas, sobretudo entre o público feminino. Se somente em 2013 a França derrubou oficialmente uma lei de 1800 que impedia a mulher de usar calça, em 2019 trabalhadoras do Japão encabeçaram uma campanha para barrar a imposição do salto no trabalho, a #KuToo (kutsu significa sapatos e kutsuu, dor). Enquanto o conservadorismo encontra respaldo em setores da sociedade, estilistas fazem o ativismo percorrer as passarelas.

Durante a Semana de Moda de Paris, o diretor criativo Pierpaolo Piccioli fez as modelos da Valentino descerem do salto em protesto ao alerta do governo de extrema-direita italiano sobre o vestuário feminino.

No mesmo evento, a coleção Primavera-Verão 2024 da Chanel trouxe chinelos de dedo em harmonia com os visuais desfilados. “Se o uso de sapatos de salto é uma exigência do patriarcado, ir contra essa obrigação é um ato político”, diz Tatiana Vasconcellos, jornalista e apresentadora da CBN.

Ela se manifestou sobre o assunto após a também jornalista Renata Vasconcellos ser criticada por apresentar o Jornal Nacional com o sapato baixo em março. “Uso tênis com saia, vestido, calça social ou blazer”, diz.

Estreia de ouro: Schiaparelli cria seu primeiro tênis em quase um século de história da marca (Crédito:Divulgação)

Símbolo de conforto, a “moda rasteira” tem raiz em um cotidiano com resquícios do isolamento social e que é reflexo do crescente rompimento com padrões de beleza. “O sapato baixo virou trend no street style”, afirma Lucius Vilar, professor da Faculdade Santa Marcelina.

“A moda olha muito para o que está acontecendo nas ruas, que também tem peso sobre o que vai aparecer nas passarelas.”
Lucius Vilar, professor

Quase um mês antes de serem objetos de protesto na capital francesa, os calçados flat já tomavam os arredores da Semana de Moda de Nova York, nos pés das chamadas it girls (que ditam tendências) e de celebridades como a cantora Taylor Swift e a blogueira Leandra Medine.

Na onda do balletcore, que traz o tule de volta à cena, as sapatilhas retornam modernas, mas também clássicas, como as inspiradas na versão vermelha usada por Brigitte Bardot no filme E Deus Criou a Mulher, de 1956. “Já começamos a ver, inclusive em marcas nacionais, sapatos baixos com mais refinamento”, diz Vilar. De flat (achatado), os novos modelos não têm nada.


Influenciador Vini Senno é fã da Birkenstock, sandália que já fez parcerias com grifes (Crédito:Divulgação)

Liberdade Recriada

“Bonito é você se olhar no espelho e gostar do conjunto”, diz Tatiana, para quem conforto também é seguir os próprios códigos e desejos.

Para o influenciador digital Vini Senno, a possibilidade de acessar cada vez mais a intimidade das pessoas contribui para a expansão do olhar sobre os diversos estilos. “Hoje você acompanha o que uma pessoa midiática está usando pela rede social, coisa que antigamente só sabia se comprasse uma revista na banca.”

Ainda que os homens tenham conseguido abolir o salto na primeira metade do século XVIII — antes disso, a estatura elevada era sinônimo de poder entre eles —, as versões baixas associadas ao gênero masculino estiveram por muito tempo limitadas. “Anos atrás seria impensável um homem usando um mule com bico mais fino, sola tratorada e design diferente.”

Senno é apaixonado por loafer (tipo de mocassim), tênis e Birkenstock: só da sandália alemã criada em 1774, que voltou à pauta após ser contraposta ao salto no filme Barbie, possui oito. “Quanto mais desconstruirmos o pensamento, cada vez mais versátil e unificada a moda vai ficar”, acrescenta ele, lembrando de creditar ao público LGBT+ a superação de uma série de barreiras que impulsionam o investimento do mercado em novidades.

“Começamos a ter diversas marcas que optam por produtos mais atemporais, sustentáveis e que apostam na personalidade das pessoas”, fala Vilar. Longe dos padrões, a atriz Tilda Swinton é uma adepta do movimento.


Emancipação: em Paris, Valentino desfilou sapatos rasteiros contra governo italiano conservador (Crédito:Pascal Le Segretain)