Coluna

Focos de incerteza

Crédito: Divulgação

Cristiano Noronha: "O mercado continua cético frente à promessa do ministro Fernando Haddad de entregar um déficit nominal zero no próximo ano" (Crédito: Divulgação)

Por Cristiano Noronha

No livro Os segredos dos Presidentes (2005), do jornalista Geneton Moraes Neto, que traz entrevistas com os ex-presidentes José Sarney, Fernando Collor de Mello, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, pode-se verificar uma mesma lição expressa por todos eles: a necessidade de o governo ter uma boa base parlamentar. Sarney afirma de forma explícita: “Quem não tem Congresso não tem condições de governar.” E Collor, diante de uma pergunta sobre qual foi o erro imperdoável de sua gestão, responde claramente: “Foi o mau relacionamento com o Congresso.”

Antes de assumir a Presidência em janeiro, Lula foi eleito presidente da República duas vezes. No diálogo com o Congresso Nacional, foi considerado extremamente habilidoso. Envolvia-se diretamente nas negociações com o Parlamento. Os partidos que apoiaram a eleição de Lula em 2022 elegeram 121 deputados e 12 senadores, muito aquém do mínimo necessário para o governo ter maioria simples nas duas Casas (são 513 deputados e 81 senadores). Lula convidou outros partidos para integrar sua aliança. Com isso, sua base aumentou para 284 deputados e 49 senadores. Os últimos a formalizar esse apoio foram PP e Republicanos. Com a entrada das siglas, a base agora soma 374 deputados e 59 senadores. Pelo menos no papel. Isso deixa evidente a vocação governista do Legislativo.

Estamos a poucas semanasdo fim do ano. E a pauta do governo é robusta. Inclui um pacote do Ministério da Fazenda para aumentar a arrecadação em R$ 168 bilhões, Reforma Tributária, Orçamento de 2024 e um conjunto de matérias relacionadas a crédito. Ao mesmo tempo, o governo tenta segurar propostas que aumentam o gasto público.

Lição de Sarney, Collor, Itamar, Fernando Henrique: a necessidade de o governo ter uma boa base parlamentar

O mercado continua cético frente à promessa do ministro Fernando Haddad de entregar um déficit nominal zero no próximo ano. Avalia que as projeções do governo para aumentar a arrecadação estão superestimadas, que há foco excessivo nas receitas sem olhar para os gastos e que há dúvidas sobre a arrecadação.

Lula tem empoderado o seu ministro. Abriu espaço no governo para novos aliados, o que melhora as perspectivas de aprovação da agenda do governo, tem decidido em favor de Haddad em questões r elevantes, como o desenho do novo marco fiscal, e disse, recentemente, que não dará cavalo de pau na economia.

Mas ainda há focos de incerteza: pressão do PT por ajustes na política econômica de Haddad, discursos dúbios do próprio presidente Lula, como se sinalizasse mudança de postura no futuro, cacoete no Congresso Nacional em aprovar mais gastos e decisões do Judiciário que, por vezes, se convertem em bombas fiscais.