Economia

Desenrola traz consumidor de volta, mas analistas alertam para risco de novo endividamento

O programa Desenrola Brasil obtém sucesso ao renegociar dívidas, reativa o poder de compra de milhões de pessoas, mas precisa de adaptações para que todos os cidadãos elegíveis possam ter acesso à plataforma

Crédito: Rogério Cassimiro

Danilo Bego, representante comercial: “O Desenrola realmente é um programa que, a meu ver, está funcionando” (Crédito: Rogério Cassimiro)

Por Mirela Luiz

Programa do governo federal em vigor desde julho, o Desenrola Brasil tem se destacado por seus resultados positivos na renegociação das dívidas dos brasileiros, que limparam seus nomes nas listas de inadimplentes no sistema de crédito e poderão voltar ao mercado consumidor sem o carimbo de maus pagadores.

Os bancos já conseguiram renegociar quase R$ 10 bilhões em apenas um mês, conforme dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), com a revisão de 2,2 milhões de contratos de dívidas não pagas junto aos estabelecimentos bancários de todo o País nesse período.

O projeto, que tem potencial para beneficiar 70 milhões de pessoas, já apresenta impacto positivo nos indicadores de adimplência. De acordo com a Confederação Nacional de Consumo, Bens e Serviços (CNC), o endividamento das famílias registrou a primeira queda em sete meses, atingindo 78,1% em julho, o menor volume desde janeiro deste ano.

A Serasa, empresa de proteção ao crédito, também atestou que quatro milhões de brasileiros saíram da situação de inadimplência apenas nos meses de julho e agosto.

A oportunidade de os consumidores voltarem a consumir crédito representa um grande potencial para instituições financeiras, varejistas e outras entidades.

Desde o início do programa, aproximadamente 1,46 milhão de clientes bancários já foram beneficiados. “A negativação traz dificuldades para o seu dia a dia, sem falar no aspecto emocional”, diz Igor Gondim, professor de economia da ESPM.

O representante comercial Danilo Bego teve seu nome negativado em meio à pandemia, já que devido ao período de baixas vendas não conseguiu honrar sua dívida. “Basicamente, os juros foram se estendendo, as ligações de cobrança foram chegando, foi gerando aquela bola de neve até que a minha compra de R$ 300 virou um débito de R$ 5 mil”, revela.

Ao ver a propaganda sobre o Desenrola na mídia, Danilo correu para ver se conseguia negociar sua pendência.“Por curiosidade fui ver se a minha dívida estava disponível para renegociação, estava e com um belo desconto! O valor para quitar ficou em apenas R$ 56,11. Realmente, é um programa que, a meu ver, está funcionando”.

Tudo azul

O mesmo aconteceu com Pedro Enrique Sarmento, estudante de engenharia, que renegociou sua dívida de R$ 2.600 através do programa do governo e pagou apenas R$ 96. “Tive 96% de desconto, foi um uma negociação que veio a calhar”, comemora.

Através da plataforma online do governo, milhões de brasileiros estão sendo beneficiados. “Essa medida é de extrema importância para a economia do País, pois estimula o crescimento e o aquecimento do mercado”, afirma o especialista em finanças Ricardo Holz.

No entanto, é preciso ressaltar que existem desafios a serem enfrentados para que o programa seja efetivamente bem-sucedido. Um deles é a obrigatoriedade do cadastro através da plataforma Gov.br – o portal de dados cadastrais do governo federal. É necessário que o cidadão faça o cadastro e alcance os níveis de certificação prata ou ouro para acessar a plataforma de negociação.

A grande dificuldade do governo está nesse ponto, pois a maior parte das pessoas elegíveis para participar do programa, 44% de acordo com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não sabe como entrar no portal ou sequer sabe da sua existência. “Acredito que será necessário uma reeducação ou até educação do cidadão de como acessar e se cadastrar no Gov.br para que esse cidadão possa atender os níveis de certificação para o Desenrola”, explica Holz.

Além disso, é necessário, segundo especialistas, que o governo invista em educação financeira, inclusive nas escolas, para que as pessoas tenham uma melhor compreensão sobre como lidar com dinheiro e evitar o endividamento.

“A pauta do endividamento e da educação financeira nunca foi tão debatida no Brasil como agora”, comenta Patrícia Camilo, especialista em finanças da Serasa.

É importante destacar que o Desenrola Brasil não se trata de uma medida econômica profunda, mas sim de uma ajuda para as pessoas saírem das dívidas que as deixam com o nome sujo na Serasa.

O psicólogo Felipe Romão conseguiu negociar duas pendências e pretende não se atrapalhar mais para não voltar a ficar no vermelho. “O débito que tinha foi por conta de um imprevisto familiar e os juros se tornaram abusivos. Agora pretendo não fazer mais dívidas que me atrapalhem”, explica o psicólogo.

Apesar dos desafios, é inegável que o Desenrola Brasil tem o potencial de impulsionar a economia do País em curto prazo. Com milhões de brasileiros tendo a oportunidade de voltar a consumir, é possível vislumbrar um crescimento econômico expressivo. “Mas é preciso tomar cuidado com o voo de galinha, para que o endividamento não volte a subir”, alerta Ricardo Holz.