Editorial

Até onde vamos?

Crédito: Mohammed Abed/AFP

Carlos José Marques: "A indignação cede lugar à apatia da maioria, como que a repetir os mesmos ecos e atitudes falhas de outrora, desencadeadores da primeira e segunda guerras mundiais" (Crédito: Mohammed Abed/AFP)

Por Carlos José Marques

Como que por um lapso de tempo o mundo parou. Espera, assiste, lamenta, sofre e ora em vigília pelo fim dos embates que aniquilam as chances de paz no Oriente Médio e incendeiam emoções mundo afora. Um misto de fundamentalismo religioso, terrorismo e intolerância engrossam o caldo. O massacre cruel e selvagem de judeus não pode ficar impune. As forças israelenses avançam com seu poderio bélico. No caminho, palestinos inocentes, aos milhares, são vítimas. Como efeitos colaterais que, na verdade, não o são. Famílias destroçadas de lado a lado nesse confronto que tenta barrar o fanatismo, mas acaba por ampliar o medo, a resistência, aumentando o ódio de lado a lado. Onde tudo pode acabar? A ausência de líderes relevantes para desenhar saídas alternativas é chocante. A falta de compaixão, idem. Não há vencedores diante de uma carnificina. E o que é pior: a perspectiva de que esse confronto se alastre por mais nações e potências distintas cresce rapidamente. Nos últimos dias, para além da Faixa de Gaza, os conflitos mobilizaram Líbano, Irã, novas falanges terroristas, como o Hezbollah, e descambou de vez, colocando no meio do tabuleiro os históricos rivais EUA, Rússia e China. O presidente norte-americano, Joe Biden, desembarcou em Tel Aviv para tratativas com o seu aliado, Benjamin Netanyahu, no dia seguinte a um ataque brutal em hospital de Gaza que deixou centenas de feridos (os números variando, informes apontando que ultrapassam as 500 vítimas) para choque do mundo todo, aterrorizado com a falta de sensibilidade humanitária que desde o início marca os episódios, numa clara representação de crimes de guerra. Não há, naturalmente, como esperar qualquer empatia por parte de organizações extremistas radicais usuárias do terror como arma. Mas há de se rogar por intervenções externas, dos organismos multilaterais e de seus representantes, na busca de uma saída. Do contrário, a perpetuação do conflito parece inevitável. Existem entrelaçamentos perigosos no quadro de fundo. Russos, por meio de Vladimir Putin, apoiam libaneses e iranianos, enquanto atacam a Ucrânia, essa defendida pelos americanos que também estão com os israelenses.

Como ator adjunto, embora não menos importante, a China, que segue às turras – no campo comercial, especialmente – com os EUA mostrou, por enquanto, certa neutralidade, embora o presidente Xi Jinping tenha se encontrado com Putin na semana passada e tratado de condenar a violência na região. Inócuas, as resoluções na ONU. Quando não recusadas pelo voto, passam despercebidas. Apelos para corredores humanitários, para o cessar fogo, em prol da preservação dos inocentes caem no vazio, em um jogo de empurra-empurra, com cada lado (Egito, na fronteira, também) acusando o outro de não ceder aos entendimentos. É calamitosa a espera de famílias indefesas, em fugas desordenadas, sem tem o que comer e beber ou onde dormir. Mais mortes no rastro. O planeta parece só trabalhar com as chances de ampliação do conflito. As divisões se aprofundam. Verdadeiras torcidas e manifestações são armadas como a se tratar de um mero espetáculo de circo sangrento nos coliseus romanos de outros tempos. Barbárie. A indignação cede lugar à apatia da maioria, como que a repetir os mesmos ecos e atitudes falhas de outrora, desencadeadores da primeira e segunda guerras mundiais. A humanidade não aprende? Não entende que, desta feita, no atual estágio de desenvolvimento tecnológico e de animosidades impunemente alimentadas, estará em xeque a sua própria existência? Pode-se, facilmente, a depender das mobilizações em curso, chegar ao final dos tempos. Que ninguém duvide. Os contendores dessa crise criaram uma armadilha para si mesmos. A violência deve ser arrastada para níveis ainda mais insuportáveis. Em todas as direções. E nem é possível prever qualquer racionalidade neste momento. Costurar o cessar-fogo e a preservação dos direitos humanos mínimos desponta como tarefa imperiosa. A Arábia Saudita, até então dando passos importantes junto a Israel para a formação de dois Estados independentes, recuou. Paralisou a aproximação e se bandeou para as fileiras iranianas de posicionamento. Assustador o que está sendo erigido. O passionalismo aniquila a racionalidade e contribui para a beligerância em prejuízo da paz. Destruição indiscriminada segue no horizonte e é preciso que os homens de boa-fé tomem logo as rédeas desse processo, antes que seja tarde demais.