Comportamento

Estudo desenterra tesouros secretos da Amazônia

Levantamentos apontam que a floresta mais diversa do mundo pode abrigar dez mil registros de obras pré-colombianas

Crédito: Brusini Aurelien

3D Tecnologia de sensoriamento remoto permite enxergar abaixo da densa vegetação da mata (Crédito: Brusini Aurelien)

Por Alan Rodrigues

As sociedades indígenas vivem na Amazônia há pelo menos 12 mil anos. Outra certeza científica é que os antigos habitantes da floresta tinham um profundo conhecimento de movimentação de terras, enriquecimento do solo, ecologia vegetal e animal, o que lhes permitia criar paisagens domesticadas mais produtivas. Em meio à vastidão verde da floresta mais diversa do mundo, sociedades densas (aquelas em que há alta concentração populacional em determinado espaço) e complexas floresciam em uma intricada teia cultural. Estudos recentes têm desenterrado os segredos de uma era pré-colombiana que viu a floresta tropical pulsar com vida, não apenas em sua biodiversidade exuberante, mas em suas comunidades humanas intrincadamente organizadas.

Um estudo inovador conduzido por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e coordenado pelo arqueólogo Vinícius Peripato, doutorando em Sensoriamento Remoto do órgão, e seu orientador, Luiz Aragão, chefe da Divisão de Observação da Terra e Geoinformática, publicado pela revista Science, trouxe uma descoberta extraordinária que promete redefinir nosso entendimento da Floresta Amazônica.

“Identificamos a presença de 10 mil registros de antigas comunidades indígenas sob a densa cobertura da mata e estruturas arqueológicas incríveis que possivelmente existiram há milhares de anos”, diz Peripato. “Entender essas antigas comunidades não apenas enriquece nossa compreensão da história, reforça a importância da preservação da Amazônia como patrimônio cultural global”, avalia Aragão.

As estruturas conhecidas como geóglifos são escavadas no solo e funcionam como valetas (Crédito:Divulgação)

Realizado por equipe de 230 cientistas de 156 instituições em 24 países, a pesquisa, que levou cinco anos até ser concluída, combina tecnologia de sensoriamento remoto (com satélites ópticos orbitais em resolução espacial muito alta), dados arqueológicos e modelagem estatística avançada para estimar a quantidade e a localização de obras pré-colombianas na região.

“Fizemos essa descoberta após identificarmos 24 novos sítios arqueológicos por meio de tecnologia de mapeamento remoto avançado, usando um laser montado em um avião, conhecido como Lidar [Light Detection and Ranging]”, revela Peripato.

Esse sensor, ainda de acordo com o arqueólogo, permite a reconstrução de elementos da superfície em amostra tridimensional altamente detalhada. “A partir dos modelos 3D da superfície, é possível remover digitalmente toda a vegetação e iniciar uma investigação precisa e detalhada do terreno sob a floresta”, diz.

“A partir dos modelos 3D da superfície, é possível remover digitalmente toda a vegetação e iniciar uma investigação precisa e detalhada do terreno sob a floresta.”
Vinícius Peripato, doutorando em Sensoriamento Remoto pelo INPE

As descobertas do estudo jogam luz sobre a rica história de quem habitou a região antes mesmo da chegada dos colonizadores. “Detectamos uma vila fortificada no sul da Amazônia, além de uma antiga cidade-praça localizada na Bacia do Alto Xingu, ambas rodeadas por paisagens domesticadas com uma gama diversificada de recursos terrestres e aquáticos”, conta Vinícius.

O achado científico sugere que a Floresta Amazônica pode não ser tão intocada quanto muitos acreditam. “Identificamos 24 novos sítios arqueológicos revelando estruturas previamente desconhecidas nos estados brasileiros de Mato Grosso, Acre, Amapá, Amazonas e Pará”, conta o arqueólogo.

A extensão da Amazônia é de 6,7 milhões de km2 e os pesquisadores conseguiram mapear, com os dados do Lidar, apenas 0,08% da área total por enquanto.

(Divulgação)

Os cientistas envolvidos no projeto ficaram ainda mais surpresos com a descoberta de um número significativo de locais ainda desconhecidos pela comunidade científica. “Com técnicas de escavações de terra, os povos originários criaram uma grande variedade de obras de ‘terraplenagem’ [valas circulares, lagoas e poços], principalmente entre 1.500 e 500 anos antes do presente, com funções sociais, cerimoniais e defensivas”, afirma Peripato.

Denominadas pelos grupos indígenas atuais como “tatuagens da terra”, as estruturas conhecidas como geóglifos são numerosas na região Norte do País. São escavações no solo, valetas e muretas que representam figuras geométricas de grandes dimensões: profundidade de meio até quatro metros e larguras que podem ultrapassar os 15 metros.

Essas descobertas não apenas redefinem nossa visão da história da região mas também ressaltam a importância de equilibrar o desenvolvimento moderno com a preservação do patrimônio cultural e ambiental. “À medida em que a Amazônia continua a ser um epicentro global de debates, as vozes do passado ecoam, instando-nos a respeitar e proteger a incrível herança enraizada sob a vasta cobertura verde da floresta”, argumenta Aragão.

A ancestralidade indígena é um fator fundamental para a defesa da demarcação de terras dos povos originários. Desvendar o passado oculto da floresta, em todas as suas extensões, é o objetivo de muitos pesquisadores, do Brasil e do mundo.