Cultura

Western: Scorsese e Almodóvar põem o gênero de pernas pro ar

No épico 'Assassinos da Lua das Flores', Martin Scorsese reinventa o gênero ao colocar os índigenas como heróis e fazer dos brancos vilões. É um enredo que envolve traições familiares e remete a seus clássicos sobre a Máfia

Crédito: Divulgação

Robert De Niro e Leonardo DiCaprio: mestre e aprendiz (Crédito: Divulgação)

Por Felipe Machado

Dizem que Martin Scorsese faz filmes sobre a Máfia até mesmo quando eles claramente não são sobre a Máfia. É verdade: seu novo longa Assassinos da Lua das Flores é a maior prova disso. O diretor de 80 anos, que cresceu assistindo a westerns, mas que nunca havia assinado uma produção desse gênero, é bem-sucedido em sua tentativa de reinventar o formato. Primeiro, por colocar os indígenas como heróis e os brancos feito vilões, em um enfoque bastante original. Depois, por transformar uma trama que se passa no Veho Oeste em um thriller sobre traição familiar. Diante desse cenário, quem poderia interpretar melhor o papel de chefão que Robert De Niro?

É possível que essa visão mais respeitosa em relação aos povos originários tenha sido influenciada pelo ator Leonardo DiCaprio, que, além de protagonista, também é produtor-executivo. O astro é conhecido por suas posições em defesa do meio ambiente e dos direitos das comunidades indígenas na Amazônia.

Baseado em uma história real, o longa tem roteiro baseado no livro-reportageem de David Grann. A ação se passa em Oklahoma, estado ocupado por diversas reservas. No início do século 20, a tribo Osage teve a sorte — ou azar — de encontrar petróleo em suas terras. Imediatamente a pequena população tornou-se a maior renda per capita dos EUA.

A riqueza atraiu aventureiros de todo o país, ansiosos por casamentos de interesse que lhes renderiam belas fortunas. O chefão da região (William Hale, papel de De Niro), vê no sobrinho, Ernest Burkhart (Di Caprio), uma chance de faturar ainda mais. Há certa índigena solteira e milionária, e Ernest acaba de voltar da guerra sem um único tostão.

Segue o plano do tio e casa-se então com Mollie (Lily Gladstone). Mas Hale e Ernest são ambiciosos demais. Começam então a promover assassinatos para roubar as heranças, o que atrai a atenção do FBI, o recém-criado órgão federal de investigação. Começa aí uma intricada teia de crimes e traições, que coloca os membros da família e seus capangas uns contra os outros. E nesse tipo de trama não há outro mestre à altura de Scorsese, que logo transforma o faroeste tradicional em um filme de mafiosos.

Assassinos da Lua das Flores: riqueza dos indígenas atrai interesseiros (Crédito:Divulgação)

Trio de ouro

O público não precisa se assustar com as 3h26 de duração do filme: o tempo passa voando. Isso se deve não apenas à história, que é muito interessante, mas às atuações eletrizantes de DiCaprio e De Niro.

Extremamente confortáveis em cena, os dois entregam performances que estão entre as melhores de suas carreiras. Assistir à dinâmica entre eles, De Niro como o patriarca, aos 80 anos, DiCaprio como o aprendiz, aos 48, é como ver um mestre passando o cetro para seu melhor aluno — e sob a benção de outro mestre, Scorsese. É um trio de ouro.

Não é de hoje que o cineasta é crítico do cinema atual, onde as plataformas substituíram os grandes estúdios. É curioso ver, portanto, o logo da AppleTV+ como um dos produtores de seu novo trabalho.

Isso significa que, em breve, Assassinos da Lua das Flores estará disponível no streaming. Seria uma pequena, mas perdoável contradição: apesar do conforto de casa, é um filme que merece uma tela bem maior.

Almodóvar no velho oeste

Ethan Hawke e Pablo Pascal: reencontro após 25 anos (Crédito:Divulgação)

Scorsese não é o único diretor de cinema a querer mudar a perspectiva sobre os westerns. Estranha Forma de Vida, do espanhol Pedro Almodóvar, também renova o formato ao contar a história de um casal que se reencontra 25 anos depois de viver um grande romance.

A diferença é que ele é formado por dois homens, interpretados por Ethan Hawke e Pedro Pascal. A ideia de exibir um casal homossexual em um faroeste já havia aparecido em O Segredo de Brokeback Mountain, de 2005. Heath Ledger e Jake Gyllenhall vivem um romance proibido e, após constatarem que não poderiam ficar juntos, separam-se para levar uma vida convencional. As cenas de amor, porém, são tímidas e surgem mais no campo da suposição.

Almodóvar conta que recusou dirigir Brokeback porque queria ter liberdade para filmá-lo com a paixão que o tornou famoso. Estranha Forma de Vida, portanto, é um curta-metragem intenso e sem censuras. O filme também ficou marcado pela parceria inédita com uma grife de luxo, a marca francesa Yves-Saint Laurent, que assina os figurinos.