Editorial

O mundo em estado de guerra

Crédito: Said Khatib

Carlos José Marques: "Diplomacia global parece viver dias de profunda crise de identidade e relevância" (Crédito: Said Khatib)

Por Carlos José Marques

Exatamente neste momento, ao menos 21 países estão diretamente envolvidos em conflitos armados, guerras civis, de ocupação, retaliação ou quetais, e um contingente fabuloso de quase dois bilhões de pessoas sofrem as consequências dramáticas desse quadro. A barbaridade é sem tamanho, quase como a de uma terceira guerra mundial em andamento. Os organismos multilaterais de segurança, responsáveis por tentar barrar a escalada, parecem incapazes de fazer frente a tamanho fenômeno. Hesitam, com os representantes batendo cabeça entre si. Na ONU – agora comandada, temporariamente, pelo Brasil –, sequer emitiu-se uma resolução de repúdio veemente a mais nova intentona (o ataque covarde e terrorista do grupo radical Hamas a Israel). Tempo precioso foi desperdiçado e já passou. O Oriente Médio acabou tomado por combates implacáveis que colocaram em risco milhares de civis, atordoados e vergados pelas consequências de sempre: mortes e calamidades sem fim. O cenário é o mesmo que acomete, há meses, a Ucrânia em resistência contra a Rússia. Milhões de desabrigados, vidas destroçadas, desalento e desespero. No pano de fundo desses embates mobilizam-se ainda EUA, China, Europa quase toda, as principais potências, medindo forças entre si em diferentes direções, testando a paciência dos opositores até o limite. Não há como não temer os desdobramentos tenebrosos desse caldeirão de tensões que mistura indistintamente continentes diversos. Inexistirá a paz enquanto a insensatez prevalecer. É fato: A diplomacia global parece viver dias de profunda crise de identidade e relevância. A que servem seus serviços diante da incapacidade de promover o mínimo de entendimento possível? O esforço de realinhar interesses no caso da política territorial no Oriente Médio mostra-se em vão.

Apelos por cessar-fogo caem no vazio. O clima belicoso predomina e não dá sinais de arrefecer tão cedo. É um vexame perceber que os maiores líderes internacionais, em pleno século XXI, são incapazes de costurar bons resultados pela via do diálogo. Para muitos interlocutores das Nações Unidas, a almejada paz planetária vive (com o perdão do trocadilho) à beira do abismo. Desolador! O que ocorre no momento em Israel deve mudar o curso da história. Ninguém sabe ainda se para pior. Como apontam os especialistas, é inaceitável que grupos extremistas como Hamas e Hezbollah ditem os destinos de tantos na base da violência desmedida. Na Faixa de Gaza, miséria e sofrimento viraram a tônica. O fosso ideológico que move os povos da região abriu espaço ao aparelhamento militar e ao fundamentalismo religioso. Esses decerto tomaram conta, mesmo a contragosto da maioria. O bloqueio militar do estreito, onde vivem mais de 1,7 milhão de refugiados e descendentes, solapados pela miséria rural, foi capaz de acender um rastilho de pólvora e de incendiar os ânimos por lá. Eis o enredo que transformou aquele minúsculo território no ambiente perfeito para que o Hamas ganhasse musculatura e passasse a imperar com as suas atrocidades, misturando doutrina terrorista e filantropia ao mesmo tempo. A ausência de Estado, como mostra a história em circunstâncias semelhantes, propiciou o surgimento de um poder paralelo. A complacência internacional e o descaso em prol de esforços para a negociação completaram a receita do caos a que se assiste atualmente. Quem há de interromper essa marcha da insensatez? Israel, desde que deu início à resposta bélica, anunciou “cerco total” e implacável ao inimigo. O Hamas surpreendeu com um arsenal que inclui toneladas de explosivos, tropas anfíbias, paragliders e pelotões numa ofensiva em larga escala inimaginável até recentemente. Pesadelo sem precedentes entrou no radar de palestinos e israelenses. Muitos sem ter mais o que comer, luz, água ou meio de transporte para fuga passaram a se questionar sobre como escapar dessa sina. Lamentações surgem de toda parte e perguntas sem respostas, também. O que cada um deveria estar se indagando é como, e quando, a humanidade irá pôr um fim definitivo à pororoca de guerras, ataques e divisões na qual ninguém ganha. Todos perdem para a barbárie em prejuízo de uma cada vez mais inalcançável, embora pretendida, civilidade.