Nosso mundo medieval

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Mentor Neto: "O ataque do Hamas à Israel escancarou, mais uma vez, como somos uma espécie bruta e ignorante, capaz de atos primitivos de absoluta desumanidade em nome de credos, ideologias, políticas ou ambições" (Crédito: Divulgação)

Por Mentor Neto

A gente se acha muito moderninho com nossos smartphones, tablets e computadores cheios de inteligências artificiais, não é verdade?

Estamos certos de que somos o ponto mais alto da evolução humana, até o presente momento.

E amanhã teremos evoluído mais um pouco.

E no dia seguinte. E no outro.

Nos acostumamos à excelência de nossa própria raça, luzindo nosso cérebro sem a mínima modéstia.

Acontece que é complicado avaliar, no presente momento em que vivemos, o quanto avançamos realmente.

Basta um ligeiro distanciamento para suspeitar que talvez não tenhamos realmente evoluído tanto desde o início dos tempos quanto imaginamos.

Mas como somos nossas próprias referências, podemos achar que caminhamos muito desde o tempo das cavernas, de Roma ou do feudalismo, o que não é, necessariamente, verdade.

O astrofísico-pop Neil deGrasse Tyson explicou essa nossa percepção talvez equivocada de maneira interessante.

Segundo ele, entre nós e um chimpanzé existe uma similaridade de DNA da ordem de 97%. Portanto, nos 3% que não temos em comum com nossos primos símios reside a diferença entre eles descascarem bananas e nós mandarmos jeepinhos para Marte.
Esses 3% podem ser responsáveis por maravilhas.

Ou talvez… mandar foguetes para o espaço, na grande ordem das coisas, não seja uma proeza muito mais importante do que descascar bananas.

O peixe, afinal, é o último a reconhecer o aquário.

Com distanciamento, talvez notemos que não somos tão avançados quanto imaginamos.

Vejamos, por exemplo, o saneamento.

A estrutura do saneamento atual, essa que despeja bilhões de toneladas de esgoto ao mar, dia após dia, é mesmo tudo que somos capazes de fazer?

Furar o chão atrás de combustível é moderno?

Caminhe por qualquer cidade – não precisa ser apenas no Brasil -– e repare nos camelôs com toalhas estendidas pelo chão vendendo seus breguetes. Existe alguma diferença entre eles e antepassados nas cidades de 400, 600 ou mil anos atrás?

E moradores de rua, dormindo em colchões de papelão, literalmente morrendo de frio ou fome, bem ao lado das vias onde passam as carruagens das castas dominantes, ou as SUVs. Que diferença existe entre os de hoje e os personagens de Les Miserables?

No futuro vão rir de como somos pretensiosos.
Mas não quero que pareça que estou sendo pessimista ou só enxergando o lado podre da laranja.

O nosso melhor é realmente impensável para as antigas gerações.

Nossas conquistas são incomparáveis com as de qualquer espécie que apenas descasque bananas. Formigas e abelhas as vezes me parecem mais evoluídas, mas vamos relevar.

Apenas vale lembrar que nossos fracassos estão aí, estampados em nossas fuças há milênios.

Nossas desgraças e dilemas continuam os mesmos, geração após geração.

Não fosse assim, as tragédias gregas ou Shakespeare, por exemplo, já teriam sido esquecidos.

Somos uma espécie animal que parou no tempo e nem percebeu

Nessa semana tivemos mais um exemplo de nossas fraquezas atávicas.

O ataque do Hamas à Israel escancarou, mais uma vez, como somos uma espécie bruta e ignorante, capaz de atos primitivos de absoluta desumanidade em nome de credos, ideologias, políticas ou ambições.

Ato contínuo, a resposta de Israel se deu na forma de um massivo ataque, caracterizado por Benjamin Netanyahu como “escala-máxima”, com o exército invadindo Gaza por terra.

Não vou discutir o mérito, se o ataque e a represália tiveram ou não justificativa.

Com um pouco de distanciamento, o que mais salta aos olhos é que não existe diferença entre esse conflito atual e uma batalha campal de bárbaros há mais de 5 mil anos.

Quem diria. Justo nós, que somos tão modernos.