Brasil

De onde vem a força de Alcolumbre? Entenda

Senador se lança candidato à presidência do Senado faltando 16 meses para eleição, e conta com um intricado esquema de alianças que inclui o atual presidente da casa, Rodrigo Pacheco, e a bancada ruralista

Crédito: Jefferson Rudy

De parlamentar do baixo clero a um dos políticos mais influentes no Congresso: quer voltar a presidir o Senado (Crédito: Jefferson Rudy)

Por Vasconcelo Quadros

RESUMO

• Senador virou um dos políticos mais poderosos do País, à sombra de Bolsonaro e das promíscuas emendas de relator
• Agora, usa sua influência por meio da CCJ que preside para pressionar autoridades de todos os Poderes
• Dessa forma, tenta voltar à presidência do Senado

Desde que deixou o baixo clero do Congresso para se eleger presidente do Senado em 2019, o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) voa em céu de brigadeiro, escalando uma trajetória que o transformou em um dos políticos mais poderosos da República. Sua ascensão parte da sintonia fina que estabeleceu com o ex-presidente Jair Bolsonaro que, para ele, não teve nada mais do que pragmatismo: como responsável pela pauta do governo, ganhou em troca o papel de articulador do orçamento secreto, onde se destacou com um dos parlamentares com maior acesso aos recursos públicos através das emendas de relator – aquelas em que o critério básico era o apoio político, mas que o STF extinguiu dada à sua promiscuidade. Em contrapartida, garantiu a governabilidade sem solavancos ao descalabro bolsonarista.

De investimentos da ordem de R$ 1 bilhão destinados ao Ministério da Defesa a projetos de infraestrutura, até o ano passado as prefeituras de sua base eleitoral no Amapá abocanharam mais de 25% ou, em cifras, o equivalente a R$ 264 milhões, uma demonstração de força ao seu eleitorado e um feito invejável para quem chegou quase desconhecido ao Parlamento.

Ao deixar a presidência do Senado na dobradinha que garantiu a eleição do atual presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) em 2021, Alcolumbre assumiu o comando da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a mais importante do Congresso por definir a legalidade das matérias originárias do governo ou de iniciativa parlamentar como o marco temporal e de outras que nesse momento confrontam o Supremo Tribunal Federal (STF).

A dupla Alcolumbre e Pacheco faz o jogo da bancada conservadora, dominada majoritariamente por ruralistas, de olho no apoio dos bolsonaristas para manter a alternância dos dois no comando da presidência do Senado e da CCJ.

Depois de ser avisado que não teria a vaga no STF, e nem havia como o governo garantir sua indicação para o Tribunal de Contas da União (TCU), Pacheco alterou sua rota, uniu-se ainda mais a Alcolumbre e passou a flertar com bolsonaristas e evangélicos.

Barganhas e emendas

Como demonstrou ao aprovar numa sessão relâmpago a PEC que limita decisões monocráticas e pedidos de vista no STF, Alcolumbre manobra a pauta e as decisões à sua conveniência, indicando o que entra ou não na agenda de uma comissão que ganhou mais importância durante sua gestão pelos interesses próprios que ele mesmo põe em campo.

Em 2021, ele segurou por quase seis meses a sabatina do ministro André Mendonça, segunda indicação de Bolsonaro para o STF, para barganhar e obter liberação ou empenho de verbas de suas emendas.

Encaminhada em 13 de julho, a mensagem do governo com a indicação de Mendonça só foi votada e aprovada no início de dezembro. Em meio a conflito artificial com o então presidente, Alcolumbre conseguiu empenhar R$ 935 milhões de um total de mais de R$ 1,1 bilhão das emendas de relator que apresentou, montante que representa 20% das emendas apresentadas pelos 81 senadores cuja destinação se tornou mais azeitada depois que seu colega, o senador Ciro Nogueira (PP-PI), assumiu a Casa Civil no governo Bolsonaro.

Os recursos foram canalizados para os municípios da base do senador, no Amapá, através dos Ministérios da Agricultura, Defesa, Desenvolvimento Regional, Educação, Saúde, Turismo, além da Funasa.

Pacheco se aliou a Alcolumbre para manter o domínio na presidência do Senado e na CCJ (Crédito:Ton Molina)

Para voltar à presidência do Senado em 2024, Alcolumbre aposta também na força do bolsonarismo como apoio, num jogo combinado com o ex-presidente, com quem se encontrou há cerca de dois meses para discutir estratégias de ação que irão até a disputa em 2026.

Sem cargo e tornado inelegível pelo TSE por atacar as urnas eletrônicas, Bolsonaro tem no Senado seu maior trunfo. Ajudou a eleger no ano passado oito novos senadores e, com os seis remanescentes da legislatura anterior, encorpou o PL com 14 senadores, uma das maiores bancadas da Casa.

Sua influência avança, no entanto, para os grupos conservadores, evangélicos e ruralistas basicamente, que estão produzindo os ruídos contra o STF cujo endereço é o ministro Alexandre de Moraes, que vem enquadrando os extremistas que tentaram o golpe em 8 de Janeiro e tem nas mãos a caneta que pode decretar a prisão do ex-presidente.

Chuvas e trovoadas

Ao se lançar candidato à presidência do Senado faltando 16 meses para eleição, Alcolumbre fica sujeito às intempéries e também não pode garantir, por antecipação, que terá o apoio expressivo dos conservadores.

É que estes também são cobiçados pelo principal adversário que terá de enfrentar, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), que constrói uma chapa casada com a sucessão na Câmara e conta com apoio dos governistas, sobretudo de Lula. Renan perdeu para Alcolumbre ao desistir da disputa em 2019. Agora tem dito que não entrará novamente na disputa se não for para ganhar.

O teste de fogo da maioria conservadora será a votação da PEC do marco temporal, protocolada há 20 dias e que pode ser pautada em breve por Alcolumbre na CCJ. Se o PL passou tranquilamente por maioria absoluta no plenário, por 43 contra 21, a aprovação da PEC exige três quintos de cada Casa em dois turnos, ou seja, precisaria 49 votos no Senado e 308 na Câmara.

Juristas e senadores apontam que o tema é polêmico por já ter sido definido pelo STF com a rejeição do marco temporal uma semana antes do PL ter sido aprovado. “A demarcação de terras indígenas deve ser considerada um direito fundamental, incluso entre as cláusulas pétreas da Constituição”, diz a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), alertando para uma possível irrelevância de se levar em frente uma matéria que o STF já definiu como inconstitucional.

“O que se ganha colocando na Casa um tema que gera constrangimentos?”, disse o senador Alessandro Vieira (MDB-SE), autor de uma proposta de CPI da Toga, tema que o torna insuspeito para avaliar as decisões do STF. Quando o PL foi aprovado, Vieira afirmou que o Senado estava gastando energia para discutir um tema que é “muito bonito para as redes sociais”, mas sem efetividade jurídica.

Apetite insaciável

O enfrentamento ao Judiciário mira o governo do presidente Lula. Convalescendo de cirurgias, assim que retomar sua rotina no Palácio do Planalto, Lula terá de decidir se veta ou sanciona o PL do marco temporal, um assunto incômodo para o governo que, ao decidir, só tem a perder tanto na relação com o STF quanto com o Congresso.

Caso não vete ou vete parcialmente, Lula pode enfrentar desgaste em sua base ligada à defesa dos povos originários e direitos humanos. É, na verdade, uma casca de banana jogada pela bancada ruralista com apoio de Pacheco e Alcolumbre que, segredo de polichinelo no Congresso, quer mais cargos na máquina federal.

Por conta disso, o governo hesita no envio da provável indicação do ministro da Justiça, Flávio Dino, para a vaga da ex-presidente do STF, Rosa Weber. Teme que Alcolumbre use a indicação como moeda de troca para exigir mais cargos no governo, protelando indefinidamente a sabatina da CCJ, como fez com Mendonça.

Ele já indicou os ministros das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil-MA) e do Desenvolvimento Regional, Waldez Góes (PDT-AP). De apetite insaciável, quer agora uma diretoria na Caixa Econômica Federal e a presidência de uma subsidiária do Banco do Brasil.

“A dobradinha Pacheco e Alcolumbre tem, para os dois, apenas razões eleitorais. Pacheco voltou a olhar para Minas Gerais, onde quer ser governador, enquanto Alcolumbre usa a CCJ para fazer o jogo para voltar à presidência do Senado. Ele não joga em grupo. Olha apenas no que pode ganhar.”
Cientista político Leonardo Barreto, doutor em Ciências pela Universidade de Brasília (UnB)

Os ruralistas ainda não desistiram

Pedro Lupion, que lidera a bancada ruralista, quer fazer prevalecer o marco temporal: inconstitucional (Crédito:Adriano Machado)

Se há algo que avança no Congresso é a densidade e o poder de barganha da bancada ruralista, que transformou o Senado na trincheira de enfrentamento ao STF, ofensiva que, numa segunda etapa, visa arrastar para a zona conflituosa o governo do presidente Lula.

Com o domínio sobre 49 dos 81 votos na Casa – mais que o dobro dos 22 fechados com a agenda do agro na legislatura passada —, a safra de ruralistas que emergiu do crescimento da direita nas eleições do ano passado, conseguiu aprovar o Projeto de Lei (PL) do marco temporal e, passados apenas nove meses depois da tentativa de golpe, ainda não desistiu de uma agenda retrógrada que, entre outras propostas, quer restringir a atuação do STF.

A pauta da vez é uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que garante o que foi aprovado no PL, limitando as demarcações à data da promulgação da Constituição e permitindo a exploração de terras indígenas por empresas rurais.

“Os ruralistas se organizaram para crescer. Criaram forças que subordinam os interesses do País. Mas acho que o limite do enfrentamento é o pragmatismo.”
Deputado Nilton Tatto, ambientalista do PT paulista

Tatto integra como convidado a poderosa Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), onde se enfileiram 374 parlamentares representantes de um terço do PIB e 80% da força irradiada pelo Centrão.

Para se ter uma ideia do crescimento, na legislatura entre 2011 e 2015, a bancada ruralista tinha apenas 15 deputados. Enquanto tensiona para assustar, nos bastidores os ruralistas querem mesmo é:
• garantia de terras públicas
— restringindo demarcações – e orçamento,
• flexibilizar o código florestal para limitar licenciamento ambiental,
• e renegociar as altas dívidas com bancos públicos.

O suporte estratégico da FPA é o Instituto Pesar Agro (IPA), entidade financiada com a contribuição de mais de 50 grandes empresas rurais, com o que banca o pesado lobby e alavanca o agronegócio no Congresso.

Embora vitoriosos num primeiro round, especialistas apostam que o marco temporal será vetado por Lula, que depois deve ver sua decisão derrubada pelo Congresso em função dessa maioria parlamentar.

A decisão final, contudo, será do STF, que já deliberou sobre a inconstitucionalidade do tema.